Os antolhos da adesão brasileira à OCDE
Para além da análise técnica, o movimento do governo brasileiro em solicitar adesão à OCDE não pode deixar de levar em consideração as consequências para a agenda da política externa brasileira que essa adesão pode causar
Há quase um ano o Brasil apresentou um pedido oficial para se tornar membro pleno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Diversos órgãos domésticos têm sólido interesse em aderir à organização. Aparentemente foi um movimento liderado fortemente pelo presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Mas será que essa é uma visão homogênea? A diversidade das comunidades de políticas brasileiras mostra que, de maneira ainda mais aflorada no atual contexto político, diferentes interesses estão em jogo.
O atual ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes defendeu em artigo no Estadão que a OCDE tem sido bem-sucedida em se adaptar à nova conjuntura mundial. Realmente a organização passou por uma ampliação desde sua criação em 1961, tanto em número de membros, como em expertise técnica em diferentes setores. Contudo tem claramente enfrentado dificuldades na busca por deixar de ser conhecida como club e se tornar um hub.
Não se pode esquecer que a OCDE foi criada sob liderança dos Estados Unidos ainda durante a Guerra Fria. Países industrializados formaram uma rede de alto nível de experiência e influência no cenário internacional. Apesar de adaptações, as práticas e normas que gerem as relações internacionais ainda hoje já estavam, de maneira geral, definidas no fim da década de 1970. Países do Sul Global, como Brasil e China, não fizeram parte da mesa de negociações na definição desses padrões.
Nos anos 2000, o Brasil se envolveu ativamente na articulação de uma estratégia clara com outros países do Sul Global para adquirir maior voz e poder de influência no cenário internacional. Existiu uma busca clara por mais autonomia, na qual países em desenvolvimento como o Brasil evitaram depender da assistência de países desenvolvidos na busca pelo desenvolvimento. Através de fóruns como G20 e G77 o Brasil adquiriu papel importante nas relações internacionais – como potência do Sul. Quando Michel Temer assumiu a Presidência, em meio a uma crise econômica e política, o multilateralismo e o desenvolvimento internacional acabaram ficando com espaço limitado na agenda da política externa brasileira.
A relação brasileira com a organização não é novidade. Desde meados dos anos 1990, o país tem adotado uma posição gradual e seletiva de aproximação à OCDE. Ao lado de China, Índia, Indonésia e África do Sul, o Brasil se tornou em 2007 um de seus parceiros estratégicos (key partners). Muitas das instâncias da OCDE têm participação aberta a não membros. Apesar de não existir uma lista sistematizada do status brasileiro e ano de inserção nessas instâncias, cruzando informações de diferentes publicações da OCDE é possível identificar que o Brasil participa de dez dos doze Diretórios, e de três de outros oito comitês e unidades especiais.
O engajamento nos Diretórios e Comitês da OCDE é encorajado por um número bastante amplo de grupos de interesses domésticos. Não só o Ministério das Relações Exteriores, responsável pela liaison com a organização, se envolve nessa questão. Outros ministérios, indústrias e agências de governo com expertise setorial têm interesses nessa agenda. Em 2015, o governo brasileiro assinou um acordo de cooperação junto à organização, que incluía um Programa de Trabalho de 126 atividades para os anos 2016 e 2017. Sob o argumento de conferir maior credibilidade e atração maior de investimentos para o país, o pedido oficial para fazer parte da OCDE foi enviado em maio de 2017.
Seguramente é importante para a diplomacia brasileira manter relações com a organização, como tem feito nas últimas décadas. Mas aderir à OCDE significa adotar o pacote completo das normas e procedimentos, para além de adicionar um gasto anual de mais de R$ 55 milhões. Apesar das normas não apresentarem retaliações, existe pressão entre os pares de adoção de mecanismos que não necessariamente são de interesse do Brasil.
A diplomacia brasileira tem sofrido nos últimos anos esses e outros reveses. De acordo com pesquisa elaborada recentemente pela Universidade da Carolina do Sul, o Brasil ocupa a penúltima posição no ranking de poder-brando global (global soft-power) – que leva em conta elementos como governo, setor privado, engajamento da sociedade, influência digital, educação e cultura. O país caiu cinco posições no último ranking, e essa queda é ainda mais significativa se considerarmos que recebemos muito recentemente Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
Para além da análise técnica, o movimento do governo brasileiro em solicitar adesão à OCDE não pode deixar de levar em consideração as consequências para a agenda da política externa brasileira que essa adesão pode causar. Supunha-se que o Brasil, por fazer parte dos parceiros estratégicos da organização, poderia se beneficiar de um processo acelerado de adesão. Contudo isso não tem se mostrado ser verdade. Apesar do apoio declarado do secretário-geral, Angel Gurría, o presidente estadunidense Donald Trump tem mostrado resistência à ampliação da organização. O erro de cálculo de como seria o processo e o atabalhoamento por parte de Michel Temer levaram à constrangedora negativa francesa do pedido recente do Brasil para estabelecer em Paris missão diplomática junto à OCDE. A negativa não é de se assustar, afinal, o Brasil ainda não é membro pleno da organização.
Já se passou quase um ano da indicativa oficial brasileira à adesão. Além do Brasil, outros cinco países também almejam se tornar membros da OCDE. A indicativa é que o processo seja conduzido por duplas de países a cada vez, e o Brasil estaria no último lugar. Na tentativa de se recuperar desses tropeços, o presidente Temer designou recentemente o Embaixador Carlos Márcio Cozendey – melhor negociador internacional que o Brasil possui – para liderar esse trâmite. Cozendey trabalhará a partir da embaixada brasileira em Paris com intuito de alavancar o processo.
Órgãos técnicos, de maneira geral, percebem a adesão à OCDE como relevante para o desenvolvimento da indústria e expertise técnica do Brasil. Contudo, quais seriam as consequências políticas desse movimento? Qual papel está buscando o atual governo brasileiro para o futuro do Brasil, tanto doméstico, como no cenário internacional? Para além do embate entre motivações técnicas e consequências políticas, não esqueçamos que o contexto doméstico brasileiro segue conturbado. Parte significativa da população questiona não só a (falta de) estratégia da política externa dessa administração, como também a própria legitimidade que ela possui para decisões significativas como essa. Com eleições presidenciais à vista, pouco provável que alguma decisão seja tomada antes da definição de quem assumirá a presidência do país.
*Geovana Zoccal Gomes é doutoranda e pesquisadora do Brics Policy Center/IRI (PUC-Rio).