Os evangélicos e o apoio ao terrorismo. Serão responsabilizados?
Há semanas temos visto a movimentação dos “patriotas” nas portas dos quartéis. O que não tem sido evidenciado com devida ênfase pelos analistas é a forte tônica religiosa dos seus manifestantes, em geral composta por evangélicos e, em menor grupo, também por católicos. Muitos vídeos e relatos comprovam o forte vínculo religioso das manifestações, frequentemente regadas a momentos de oração, louvores gospel e “atos proféticos”
Os atos terroristas que assistimos ontem (08/01) na Praça dos Três Poderes, em Brasília, compõem mais um trágico episódio da crise da democracia brasileira. Assim como os governantes, é dever dos cidadãos denunciar, expor e responsabilizar todos aqueles que participaram, de forma ou indireta, deste grave ataque às instituições.
Há semanas temos visto a movimentação dos “patriotas” nas portas dos quartéis. O que não tem sido evidenciado com devida ênfase pelos analistas é a forte tônica religiosa dos seus manifestantes, em geral composta por evangélicos e, em menor grupo, também por católicos. Muitos vídeos e relatos comprovam o forte vínculo religioso das manifestações, frequentemente regadas a momentos de oração, louvores gospel e “atos proféticos”.
Um exemplo disso foi o hino evangélico entoado pelos manifestantes durante a invasão no Senado Federal, no qual as palavras de ordem “Os guerreiros se preparam para a grande luta/ É Jesus o capitão, que avante os levará/ A milícia dos remidos marcha impoluta/ Certa que vitória alcançará” revelam não só o caráter belicista do movimento, mas também o inegável vínculo religioso que anima essas manifestações. Afinal, para muitos que estão ali, não se trata de um golpe de Estado, mas sim a materialização da batalha espiritual entre o bem e o mal, uma releitura do conflito apocalíptico entre Deus e o diabo em termos políticos.
Embora não tenham sido apoiadas publicamente por nenhuma grande figura evangélica – com exceção do senador eleito Magno Malta (PL/ES), um dos articulistas dos atos de 8 de janeiro – é fato que alguns líderes apresentaram desde o início dos acampamentos nos quartéis uma certa postura de apoio ambíguo, que ora incentiva o sentimento de indignação e descrédito no sistema democrático, ora se nega a ter qualquer responsabilidade sobre o movimento.
O maior exemplo dessa postura, sem dúvida, é o pastor Silas Malafaia. Em 22 de novembro, o pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) afirmou em vídeo: “Eu desafio a provar que mandei alguém para a porta de um quartel. Não mandei ninguém para portas de quartéis. Um vídeo do dia 17/11, eu digo (…) as manifestações estão erradas. Não são nas portas dos quartéis. Têm que ser em frente ao Congresso Nacional”. Com os eventos do dia 8 de janeiro, o pastor agora chama os atos terroristas de “manifestação do povo” e que qualquer punição contra os manifestantes seria uma “vergonha”.
Não é de hoje que boa parte dos evangélicos tenha embarcado no bolsonarismo. Em 2022, cerca de 7 em cada 10 evangélicos votou em Bolsonaro no segundo turno, um número bem próximo do que já havia ocorrido nas eleições quatro anos antes, em 2018. A novidade – talvez nem tão nova assim – é que muitos pastores e líderes, não satisfeitos com a derrota nas eleições, resolveram dobrar a aposta na tese da “guerra espiritual”, estimulando os seus fiéis a participarem dos atos antidemocráticos, procurando assim deslegitimar o resultado das urnas por meio de uma suposta lente espiritual, mas que na verdade é pura manipulação ideológica e abuso do poder religioso. As provas estão por toda a parte. Estarão as autoridades dispostas a responsabilizar essas lideranças pelos seus abusos?
Rafael Rodrigues da Costa é sociólogo, mestre em Ciências Sociais pela Unifesp e pesquisador visitante da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor de Psicologia Social na Faculdade FECAF.