Palestinos, indígenas, camponeses, o agro e o capital desumanizador
A estratégia sionista é liquidar os palestinos. Para o agronegócio, a vida também pouco importa, e por isso contaminam o ambiente com agrotóxicos que afetam mais povos indígenas e camponeses
O que está acontecendo na Palestina é similar ao que ocorreu – e ainda ocorre – com outros povos nativos. No entanto, a força usada contra os palestinos é ainda mais gritante pois visa dizimar o mais rápido possível essa população. Não à toa que podemos classificar o que o Estado de “israel” faz como limpeza étnica. Afinal, é esse o objetivo final. Destruir, ocupar e explorar. E, como se sabe, mas a mídia corporativa tenta omitir, esse processo de espoliação não começou como resposta ao ataque de 7 de outubro de 2023, mas sim em 1948 quando foi oficializado o Estado sionista de “israel”.
Qualquer semelhança com o que ocorre com os avanços territoriais do agronegócio no Brasil não é mera coincidência. Desde os tempos remotos, com a invasão europeia, os povos originários foram dizimados e o discurso de supremacia europeia, que consideravam os indígenas “seres desalmados”, espalhado pelo continente. Posteriormente, fizeram o mesmo com os negros, quilombolas, ribeirinhos, principalmente durante a ditadura militar que promoveu a ampliação maciça da exploração/destruição das terras.
Em escala mundial, o capital sempre expulsa povos inteiros de áreas de seu interesse – seja para recursos e extrativismo, seja para facilitar negociações e a passagem de mercadorias. Foi assim durante a chamada “Revolução Verde”, que recebe esse nome para contrapor a ideia “vermelha/comunista” de distribuição de terras para os povos do campo. Como João Goulart pretendia fazer no Brasil, por exemplo, por meio da reforma agrária. Todos sabem que fim isso levou: golpe militar em 1964 – e, como sempre, sob a batuta dos Estados Unidos.
Ao dominarem países e territórios de seu interesse, as corporações promovem o lobby direto em parlamentos, como denunciou Maria-Monique Robin em seu livro/documentário “O mundo segundo a Monsanto”, usando os próprios governos para que introduzam seus diretores/CEOs em ministérios e pastas estratégicas para aprovação de leis que interessem às tais corporações.
Citemos os recentes projetos e leis brasileiras que afrontam não apenas os povos originários e o meio ambiente, mas a própria Constituição, como é o caso do Marco Temporal (PL 2.903/2023), o PL do Veneno (1.459/22), o PL da Anistia aos Desmatadores (350/23) e o que favorece desmatamento na Amazônia (PL 4.994/23).
Desumanização e violência como estratégias
E como é típico do capitalismo, tentam desumanizar os povos originários, tratando-os como selvagens e bárbaros. Lendo “Sementes do poder”, em que a autora Amalia Leguiamón mostra como a soja transgênica tomou conta da Argentina, é notório como essa desumanização é estratégica para que a opinião pública seja influenciada pelos interesses do capital.
A maneira como o agronegócio avança é igual ao colonialismo racista que “israel” faz contra os palestinos. Como relata Leguiamón, “a violência contra os povos indígenas e o meio ambiente, por meio de operações militares, e a introdução das tecnologias industriais na agricultura foram outras formas importantes de controle social. Além disso, também demonstrou como as elites do século XIX removeram povos nativos de seus territórios, para povoá-los com imigrantes europeus. A conquista do chamado ‘deserto’ implicou a matança e deslocamento forçado de populações indígenas”.
Lendo este trecho, poderíamos facilmente entender que se trata do processo na Palestina Al-Nakba, em 1948, e até mesmo os recentes deslocamentos forçados para o sul de Gaza, em direção ao Egito.
O uso da violência é uma estratégia importante para desapropriar os povos e reprimir qualquer forma de ativismo. Os ataques contra os povos também se fazem de forma indireta. Lembremos das constantes críticas em relação ao mestre, reconhecido internacionalmente, Paulo Freire. Um professor que desde sempre defendeu uma visão crítica da sociedade, inclusiva e que abranja todos os tipos de ensinamentos. “O pedagogo Paulo Freire trata da importância do diálogo com iguais e diferentes, salientando que com os antagônicos, que buscam roubar a pronúncia do mundo, só é possível o conflito. Os ‘diferentes’ a que se refere Paulo Freire produzem a heterogeneidade dos ‘saberes populares’ presentes nas vidas cotidianas dos mais diversos povos. Os ‘antagônicos’ são as classes dominantes empenhadas em difundir um tipo de educação tecnicista que é também colonialista”.
Para seguirem na defesa da exploração e expulsão dos povos originários, também se utilizaram do argumento falso de vazio demográfico na Palestina, dizendo que era uma “terra sem povo para um povo sem terra”, frase eternizada pelos sionistas sob a figura de Israel Zangwill para tentar justificar a colonização da Palestina, e que seguiu sendo replicada pelos militares brasileiros durante o golpe. “A retórica do “vazio demográfico” tanto na Amazônia quanto na Palestina não se devia a desconhecimento, mas ao encontro de um projeto claro de colonização, que desprezava a ocupação ancestral desses territórios. Em ambos os casos, revela-se a desumanização dos povos originários. A expansão colonial e os massacres seguem, tanto lá como cá. Assim como a destruição do meio ambiente.”
Ou seja, ligando os acontecimentos, nota-se a relação direta e íntima do colonialismo, autoritarismo, etnocídio e agronegócio. Tudo para que sejam atendidos os interesses do capital.
A estratégia sionista é liquidar os palestinos, tendo como principais alvos mulheres e crianças (cerca de 70% das mortes no atual genocídio perpetrado por “israel”). Para o agronegócio, a vida também pouco importa, e por isso contaminam o ambiente com venenos/agrotóxicos que afetam, igualmente, mais as crianças e mulheres, principalmente quando próximas aos campos de plantação – como é o caso de indígenas e camponeses. Agrotóxicos, por sinal, que tiveram sua origem nas armas químicas nazistas, incluindo as bombas de fósforo branco que, mesmo proibidas por Convenções internacionais (Convenção de Genebra, 1997), “israel” segue jogando contra civis.
Ambos desejam territórios e promovem limpeza étnica, seja para explorar recursos como petróleo e gás natural na Palestina e manter os interesses do imperialismo estadunidense, seja para explorar a terra e a água para gerar commodities. A luta pela terra é a base da autonomia.
O estado assassino, bandido e pária de “israel” já perdeu essa disputa. Foi atingido em sua moral, justamente porque permitiu ao mundo a revelação do que realmente é o sionismo. O levante mundial desmoralizou e escancarou os verdadeiros terroristas. O agronegócio também está com os dias contados. Além de sua irrisória participação na geração de comida, a ciência tem mostrado que toda sua tecnologia biocida dos agrotóxicos possui danos significativos na vida das pessoas e de todo o entorno. A mentira que eles tentam propagar, não se sustentam mais, ainda que contem com a difusão midiática como estratégia corporativa efetiva e usada para gerar consenso público, pois aquilo que é dito e até omitido, promove esse efeito.
(Em tempo: Antes que canalhas como os sionistas da Conib me acusem de ser antissemita, tal como fizeram com Breno Altman, deixo claro: sou antissionista! E ao contrário do que tentam fazer ao misturar e usar a religião com a política racista e supremacista, típico do regime nazisionista, condeno isso. Estou ao lado dos verdadeiros judeus, contrários a essa farsa chamada “israel”, e em defesa da Palestina livre, soberana, autônoma e como sempre foi: um local de paz e plena convivência entre muçulmanos, ateus, cristãos, judeus. Isso antes do surgimento dos terroristas nazisionistas de “israel”).
Assim sendo, nos resta uma pergunta: até quando isso será possível? Não apenas pelas mortes que geram, mas até quando será sustentável esse tipo de visão e prática capitalista de espoliação, exploração, contaminação, destruição? Até quando prevalecerá o lucro acima de qualquer coisa? As mudanças climáticas, causadas pela ambição e ganância humana estão aí. E a cada dia estamos mais perto do ponto de inflexão.
Já previa Lênin em sua análise que o imperialismo é a fase superior do capitalismo. Será que finalmente chegou o momento de repensarmos um novo modo de vida? Diria que sim, mas a questão é: teremos tempo para tais mudanças? Será que a necessária e inalterada ascensão do Brics permitirá efetivamente essa mudança no panorama global?
É importante e fundamental que as mudanças se tornem efetivas, e não apenas propaganda política travestida de sustentabilidade – greenwashing. O modo de produção de alimentos de verdade deve ser voltado à agroecologia, rompendo de vez com a danosa exploração de commodities que visam apenas exportação e, consequentemente, a concentração de terras e lucros nas mãos de uma minoria eternizada em governos.
A revolução dos povos, cada vez mais necessária, precisa entender e mobilizar sua força. Esperar de governos, muitos sem interesse, e outros presos e reféns de parlamentares alinhados aos interesses da exploração inconteste do ambiente, não transformará a situação. Afinal, o Estado mostra-se um Estado-burguês.
A tentativa de invisibilizar tais mobilizações populares e autônomas, seja dos palestinos, dos zapatistas e demais indígenas, cubanos ou até dos curdos, é mais uma estratégia do capital. E por uma razão simples: elas mostram que um novo mundo é possível, contradizendo a sanha pela busca constante do crescimento econômico custe o que custar. São exemplos de como promover verdadeiramente a sustentabilidade – bem antes da tal Agenda 2030 da ONU – respeitando verdadeiramente o ambiente sem esquecer do bem-estar social.
O capitalismo falhou. Atingiu seu limite, destruindo todo o cenário. A resistência palestina, indígena e de todos aqueles que se posicionam contra deve ser cada vez maior para mostrar que esse sistema não se sustenta mais. Gostem os capitalistas ou não. A visão e modo de vida dos povos que não se alinham à homogeneidade do capital, não são meros resquícios do passado, mas a demonstração palpável e uma possibilidade de futuro. Mas o tempo está passando…
Luiz Fernando Leal Padulla é professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências e especialista em Bioecologia e Conservação. Autor do blog e da página no Youtube “Biólogo Socialista”, do podcast “PadullaCast” e do livro “Um irritante necessário”. Instagram: @BiologoSocialista