Para onde vamos?
O que fazer após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, concretizado no dia 12 de maio? O Le Monde Diplomatique Brasil convidou pensadores e lutadores sociais de diversos matizes para debater como lidar com a crise e trabalhar com certos elementos, como a guerra das ideias, as eleições municipais de outubro e a orPablo Ortellado
Tudo começa numa quinta-feira de junho. Um pequeno grupo de pessoas, progressistas e desvinculadas de partidos políticos, acampa no Masp reivindicando eleições gerais e “mais direitos”. Como vêm de lutas sociais autônomas, não têm relação com o governo afastado, responsabilizado pelo saque na Petrobras, nem com o governo interino, responsabilizado por retirar direitos e proteger os corruptos. O grupo começa pequeno, sem visibilidade, e vinga mais pela persistência do que pelo impacto inicial. É uma pequena mostra da fauna de movimentos de juventude da cidade, com gente que passou pelo Parque Augusta, pelo Movimento Passe Livre e pela ocupação do Paula Souza. O crescimento do protesto se dá, por um lado, por uma sucessão de pequenos eventos que procuram discutir os caminhos para a consolidação e ampliação dos direitos sociais e, por outro, por uma sucessão de atos de rua que tentam dar visibilidade e expressar aquele acúmulo político. Como se trata de um acampamento permanente, o vão do Masp vira um centro de referência para os insatisfeitos de todos os matizes, que têm no lugar uma referência de luta, tanto como ponto de encontro, como lugar de atividades regulares, um pouco como é a Place de la République para os franceses do Nuit Debout. Também como no Nuit Debout, ninguém dorme no acampamento, para se desobrigar da dinâmica de manutenção do espaço, que foi o que tragou todas as energias das experiências da geração do Occupy Wall Street. O movimento amplia seu leque de táticas: ações judiciais para destituir ministros investigados, campanha de esclarecimento e mobilização nas redes sociais, proposta de emenda à Constituição para convocar eleições gerais, articulação com as lutas concretas dos movimentos sociais de base. Grupos de outras cidades do país também ocupam praças e o movimento se organiza em rede por todo o território nacional (na verdade, tudo começa em Belo Horizonte, na Praia da Estação, mas o narrador só presta atenção ao que se passa no eixo Rio-São Paulo-Brasília). As lideranças do PT são persuadidas de que, se não foram capazes, com todas as suas forças, de mobilizar um terço do Congresso para impedir o impeachment, não terão força para derrubar o governo Temer e, portanto, devem acompanhar o movimento de longe, apoiando sem participar, para não partidarizar a iniciativa e afastar as pessoas. A base discorda dessa avaliação da direção, e os conflitos em torno da presença de militantes de partidos no acampamento só aumentam, não apenas com o PT e o Fora do Eixo, mas com o Psol, o PSTU e os outros partidos da extrema esquerda. Depois de muitas discussões desgastantes, chega-se ao frágil consenso de que os militantes podem estar presentes, desde que não levantem as bandeiras dos partidos e se comprometam a não enquadrar as discussões das assembleias às linhas partidárias – o que não é respeitado.
A direita responde com outro acampamento a duas quadras dali, em frente à Fiesp, tendo como pauta as “reformas estruturais”: a redução dos benefícios previdenciários, a modernização da legislação trabalhista e a desvinculação dos gastos orçamentários com saúde e educação. Para sorte da mobilização por mais direitos, é sempre mais fácil mobilizar contra do que a favor. O movimento depara com pequenos e grandes dilemas. Devemos protestar contra o sistema político ou ignorá-lo e apenas nos ocupar do trabalho de base? É desejável usar uma plataforma comercial como o Facebook para a mobilização? A articulação no Congresso para a aprovação da proposta de eleições gerais deve ser feita diretamente pelo movimento ou ele deve apenas acompanhar e pressionar de fora? O movimento deve endossar candidatos caso a proposta de eleições gerais vingue? Essa discussão traga as energias do acampamento, que, depois do expurgo dos militantes de partidos, expurga também os pragmáticos que queriam referendar uma ampla aliança de candidatos. O acampamento de Belo Horizonte encampa a ideia da aliança suprapartidária por direitos e, em sentido oposto, os de Porto Alegre e Fortaleza, mais autonomistas, denunciam o compromisso com o corrompido sistema de partidos. Como situação de compromisso, o acampamento do Masp cria uma plataforma cidadã por mais direitos, pedindo uma reforma tributária com impostos progressivos, auditoria cidadã da dívida pública e distribuição dos dividendos dessas duas reformas para saúde, educação, transporte e moradia – conclamando candidatos de todos os partidos a aderir à pauta, sem que o movimento os endosse diretamente. Candidatos do PP, do PMDB e do DEM dizem aderir à plataforma. Anarquistas e defensores do trabalho de base denunciam a capitulação e o reformismo em pleno ascenso da luta de classes. A reforma da Previdência une os sindicatos contra a política de Meirelles. Paulinho da Força, artífice do impeachment, sente-se traído pelo novo governo e adere à greve geral convocada pela CUT. Com protestos semanais e a greve geral, a proposta de eleições surge como saída honrosa, pactuada pelas principais forças políticas que temem um novo Junho. Eleições gerais são convocadas para coincidirem com as municipais em outubro. Começa a campanha política. A disputa eleitoral se divide em cinco candidaturas principais. À direita, o PSDB bloqueia a iniciativa dos novos atores, como o MBL, e lança uma chapa puro-sangue com Serra e Anastasia como vice (com Alckmin e Aécio desgostosos fazendo oposição interna). Os novos liberais aliam-se com os neoconservadores numa chapa que é a mais pura expressão da campanha anti-Dilma e dos acampamentos da Fiesp: Bolsonaro para presidente e Paulo Eduardo Martins como vice. À esquerda, o PT anima-se com a possibilidade de voltar à cena redimido e lança a chapa Lula-Ciro Gomes. Os grupos mais pragmáticos dos acampamentos apoiam a candidatura de esquerda, com Jean Wyllys e Luiza Erundina (que desiste da prefeitura de São Paulo). Finalmente, Marina Silva e Eduardo Jorge se unem numa alternativa social-liberal-ecológica que quer tomar votos dos dois polos. 2 de outubro. As pesquisas mostram o eleitorado dividido. Começa a contagem de votos. Ninguém sabe para onde vai o país.