Política externa no centro do debate: ela é política pública?
A política externa enquanto temática estatal se mostra um elemento fulcral no desenvolvimento de um país. Na esteira dos apontamentos que a dizem respeito, realçar o papel nevrálgico desempenhado pelo Ministério das Relações Exteriores é uma questão chave para entender a relevância de instrumentos e instituições estratégicos para o Estado brasileiro
Para se responder à pergunta proposta, algumas considerações sobre política externa precisam ser apresentadas, a fim de melhor compreender a interface envolvendo política pública e política externa. A política externa é considerada assunto de Estado, desassociada, à primeira vista, da política doméstica. Essa nada mais é que qualquer movimento político interno relacionado ao governo e uma “arena” onde acontecem conflitos de processos eleitorais, que, muitas vezes, têm como frutos disputas e rivalidades.
A política externa enquanto temática estatal, por sua vez, se mostra um elemento fulcral no desenvolvimento de um país. Na esteira dos apontamentos que a dizem respeito, realçar o papel nevrálgico desempenhado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) é uma questão chave para entender a relevância de instrumentos e instituições estratégicos para o Estado brasileiro. O MRE é ator institucional importantíssimo na formulação e implantação da política externa. Dessa forma, política externa seria considerada uma subárea das relações internacionais[1] de grande impacto, à qual o Estado dispensa um olhar especial.
No bojo da discussão sobre a relação entre política externa e pública, observa-se que componentes da política externa brasileira – como a política de Cooperação Sul-Sul – podem ser entendidos como uma política pública,[2] e aponta um caminho onde política externa é política pública. A respeito da cooperação sul- sul, o professor Carlos Milani indica que ela “tem sido apresentada como uma alternativa, não uma estratégia de substituição, à cooperação norte-sul, graças à concepção e implementação de políticas defendidas como sendo mais horizontais, menos assimétricas e fundadas na solidariedade entre países em desenvolvimento”.[3]
No entanto, o debate que categoriza a política externa enquanto política pública carece de aprofundamento. Urge a necessidade de trazer à luz outras iniciativas que propagaram e intensificaram o intercâmbio de políticas públicas entre seus países-membros, como União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba) e Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Nesse sentido, o Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Pobreza de 2005 da Celac (Plansan Celac) exemplifica a união de esforços de caráter supranacional referente a uma série de políticas públicas, com enfoque especial para os programas de agricultura familiar e segurança alimentar e nutricional. À época, o governo e o Congresso brasileiros atuaram conjuntamente e lançaram mecanismo de cooperação para concretizar a meta de erradicar a fome e a pobreza na América Latina e no Caribe. A parceria entre governo e Congresso culminou na Frente Parlamentar contra a Fome, organização que sistematizou os marcos legais para segurança alimentar e nutricional e direito humano à alimentação adequada em dez países da América Latina e do Caribe. A Frente se articulou e teve capacidade para influenciar o Parlatino (Parlamento Latino-Americano). O desfecho dessa mobilização foi a uniformização de leis como base de integração regional e muitos produtores da agricultura familiar de diferentes países se beneficiaram de políticas públicas que lhes foram destinadas.
É crucial reforçar, também, a importância de uma iniciativa que favoreceu muitos brasileiros, o “Fome zero”, programa articulado pelo ex-ministro José Graziano da Silva, que também é ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A criação dessa iniciativa, acompanhada de esforços na propagação de políticas públicas no exterior a partir da atuação do MRE, redigiu um capítulo transformador na história brasileira. Por isso, podemos dizer que a política externa enquanto política pública, abrangendo questões pertinentes às relações internacionais e domésticas de direitos humanos, é vital para consolidação de uma democracia multirracial, multicultural e inclusiva.[4]
João Camilo Sevilla é professor, servidor público, mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduando em Estudos Sociais e Políticos pelo IESP-UERJ.
[1] PINHEIRO, L.. Autores y actores de la política exterior brasileña. Foreign Affairs en Español, v. 9, p. 14-24, 2009.
[2] MILANI, Carlos R. S.; DUARTE, R. S. . Cooperação para o desenvolvimento e cooperação Sul-Sul: a perspectiva do Brasil. In: Haroldo Ramanzini Júnior; Luis Fernando Ayerbe. (Org.). Política externa brasileira, cooperação sul-sul e negociações internacionais. 1ed.São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, v. 1, p. 53-82.
[3] MILANI, Carlos R. S.; CARVALHO, T. C. O. . Cooperação sul-sul e política externa: Brasil e China no continente africano. Estudos Internacionais: revista de relações internacionais da PUC Minas, v. 1, p. 11-35, 2013.
[4] SATURNINO BRAGA, P. R. Potências regionais por uma nova ordem: A política externa de Brasil e África do Sul no campo dos direitos humanos. Tese (Doutorado em Ciência Política), Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p.424, 2018.