O estado de Oregon, nos Estados Unidos, aprovou a Medida 110, que descriminalizou a posse de pequenas quantidades de substâncias psicoativas. A lei foi aprovada por meio de um plebiscito, em que o “sim” recebeu 58,6% dos votos.
Diversas organizações, como a Drug Policy Alliance e a Human Rights Watch, bem como partidos políticos e pessoas físicas apoiaram campanhas pelo “Sim”. A lei foi proposta por Anthony Johnson, ativista pela legalização da maconha, Haven Wheelock, especialista em saúde pública e coordenadora do programa de troca de seringas Outside In e Janie Gullickson, diretora executiva da Associação de Saúde Mental e Dependência de Oregon.
No estado, o uso recreacional da maconha já é descriminalizado desde 2015, tendo sido o primeiro do país a adotar a legalização da droga. O uso terapêutico e medicinal de cogumelos alucinógenos também foi legalizado.
A partir da aprovação da medida, a posse de outros tipos de drogas passa para a “categoria E”, sendo considerada um contravenção que não prevê pena de prisão. Ao invés disso, a pessoa flagrada com as quantidades determinadas para cada droga, deverá pagar uma multa de U$ 100 ou ser encaminhada ao que foi chamado de “Centro de Recuperação de Dependências”, onde deverá passar por uma avaliação de saúde gratuita com um ou uma profissional.

heroína | (1 grama ou menos) |
cocaína | (2 gramas ou menos) |
metanfetamina | (2 gramas ou menos) |
MDMA | (menos de 1 grama ou 5 comprimidos) |
LSD | (menos de 40 unidades) |
psilocibina | (menos de 12 gramas) |
metadona | (menos de 40 unidades) |
oxicodona | (menos de 40 comprimidos, comprimidos ou cápsulas) |
Nos casos de flagrante de posse de maiores quantidades, a punição continua sendo de prisão, porém com penas menores, e sendo considerados contravenções.
Os centros de recuperação serão financiados com os impostos arrecadados pela venda de maconha no estado. A lei prevê, ainda, que organizações que trabalham com o tema também poderão ser financiadas para atender os encaminhamentos.
O que o Brasil pode aprender com a Medida 110?
Para o Centro de Convivência É de Lei, uma organização que trabalha há mais de 20 anos com redução de riscos e danos, a medida deve, sim, ser comemorada, principalmente por ser orientada pela redução de danos e por considerar os impactos da guerra às drogas na população negra e pobre.
No texto, uma das justificativas da lei é que “punir pessoas que sofrem de dependência arruína vidas. A criminalização das drogas sobrecarrega as pessoas com antecedentes criminais. Esses registros os impedem de conseguir moradia, ir à escola, obter empréstimos, obter licenças profissionais, conseguir empregos e manter empregos. A criminalização de drogas prejudica desproporcionalmente os pobres e pessoas negras” (tradução livre).
No entanto, é preciso ter certa cautela ao comemorar, a exemplo do que vimos acontecer no Brasil em 2006, com a aprovação da lei nº 11.343. Quando foi celebrada a distinção entre pessoas usuárias de traficantes, foi exaltado o fato de que o uso de drogas passaria a ser visto como uma questão de saúde. Porém, quase 15 anos depois, o encarceramento de pessoas negras e pobres no país nos mostra quem é visto como usuário e traficante pelas polícias e pelo judiciário.
Ainda que a Medida 110, de Oregon, tenha critérios objetivos que determinam o que é considerada quantidade para uso das substâncias, não são especificados na lei os critérios que definem, no flagrante, o que pode sugerir que aquele é um caso de uso comercial para tráfico. A diferenciação por critérios objetivos de quantidade pode ser perigosa no sentido de não se considerar contextos importantes para a determinação da intenção de comércio. Por exemplo, pessoas que fazem usos considerados indevidos de drogas, geralmente compram em maior quantidade para evitar muitas idas a locais de compra.
Portanto, é possível assumir que essa distinção ficará a cargo da polícia, que é a instituição responsável pelos flagrantes. A mesma polícia que tem reagido com violência aos protestos que vêm acontecendo desde o assassinato de George Floyd.
Estamos caminhando a passos lentos para uma política de drogas ideal, que considere a legalização com reparação às pessoas afetadas pela guerra às drogas, principalmente à população negra, mas a Medida 110 cria precedentes importantes no horizonte de iniciativas populares, e que prezam por políticas pautadas na única lógica possível para o cuidado: a redução de danos.
Ana Luiza Voltolini Uwai é jornalista, redutora de danos e integrante do Centro de Convivência É de Lei