Radicalização
Os herdeiros Sarkozy contiuam a privilegiar as posições mais reacionárias com a esperança de arrancar da Frente Nacional um eleitorado popularSerge Halimi
A revolta do momento, levada adiante por estudantes do Quebec, demonstra: as políticas de austeridade não podem ser mais impostas sem métodos autoritários. Quando o governo liberal (centrista) de Jean Charest decidiu aumentar em 75%, em cinco anos, as taxas de inscrições em universidades, mais de um terço dos estudantes da Belle Province entrou em greve; em 18 de maio, os direitos de associação e manifestação foram suspensos por ocasião de uma sessão especial da Assembleia Nacional quebequense (veja mais na pág. 32). Conjunto fatal de medidas: amputar uma conquista democrática (o acesso ao ensino superior) e imediatamente depois suspender uma liberdade fundamental.
Essa radicalização também se observa em outros lugares. Na França, a derrota da coalizão conservadora, após uma campanha durante a qual todos os temas da extrema direita foram rejeitados, não repercutiu de nenhuma forma na reorientação dos discursos para o eleitorado centrista. Os herdeiros de Nicolas Sarkozy continuam, ao contrário, a privilegiar as posições mais reacionárias – hostilidade aos imigrantes, oposição à flexibilização penal, lutas contra políticas sociais – com a esperança de arrancar da Frente Nacional um eleitorado popular supostamente identificado com o retrato do “trabalhador que não quer que aquele que não trabalha ganhe mais do que ele”.1
Menos de um mês após a ascensão de Barack Obama ao poder, os Estados Unidos conheceram uma evolução política da mesma ordem. Longe de redimir-se pela derrota, o Partido Republicano acertou os passos com o Tea Party, truculento e paranoico, mas sobretudo especialista na arte de apresentar seus adversários como um bando de esquerdistas esnobes, tecnocratas cheios de si e capazes de incomodar os verdadeiros produtores de riqueza para seguir auxiliando os “assistidos” e fracassados. “Quase todos tínhamos um vizinho ou escutávamos falar de alguém que vivia acima de suas possibilidades e nos perguntávamos por que deveríamos trabalhar e pagar em prol dessa pessoa”, observam os autores do “Manifesto do Tea Party”.2 Recém-derrotada, a direita republicana não se preocupou em orientar seu discurso ao eleitorado centrista, setor que, tudo indica, pode definir o resultado de uma eleição. E se reinventou ao substituir o pragmatismo dos responsáveis pela derrota das aspirações de seus militantes mais radicais.
Essa direita imaginativa é poderosa. Não tentará se eleger pela via do convencimento nem pela modificação da margem do itinerário econômico e financeiro cujo fracasso programado multiplicará as situações de confusão, conflito e pânico. Sem mencionar os efeitos políticos degradantes de um ressentimento político que desvia as análises do alvo. O fim de dois grandes partidos gregos, corresponsáveis pela quebra do país e pelo martírio infligido a seu povo, e o crescimento inesperado de uma formação de esquerda, a Syriza, determinada a colocar novamente em questão o reembolso da dívida, em parte ilegítima, demonstram que uma saída para o impasse não está fora de cogitação − com a condição de que seja imaginativa e audaz. Esse é o sentido também do combate dos estudantes do Quebec.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).