O sistema político-eleitoral argentino e o encanto da extrema direita
A democracia pouco madura somada aos problemas econômicos atuais podem explicar a busca por uma saída que evoca um certo messianismo
De tempos em tempos, em um evento quase despótico, quase catártico, ressurgem os ingredientes perfeitos para a celebração de alguma figura popularesca tida como outsider e celebrada como o salvador da pátria. É esse o caso de Javier Milei.

Claro que o assombro fica por parte dos analistas políticos incrédulos com a figura que conversa com seu cachorro diretamente do além. Porém, como já disse Caetano Veloso, a América Latina tem um certo gosto pelo ridículo tirânico.
A nossa história como povo latino se mistura também ao populismo. Jan-Werner Müller ao longo do seu livro What is Populism? explica em detalhes como identificar um populista, muito embora, para Debert, “o termo populismo envolve certa polêmica, uma vez que é utilizado para caracterizar uma série de manifestações sociais bem distintas ocorridas ao longo da história”.
Müller, no entanto, propõe que é possível estabelecer sim o populista através, por exemplo, de suas críticas às elites e do seu antipluralismo. O governo populista se alicerçaria nos seguintes aspectos: sequestro de aparelho estatal, corrupção e clientelismo. O agente político populista também alegaria ser o único representante legítimo do “seu povo” e suas ações e o seu discurso seriam movidos por elementos morais explícitos.
Ainda é cedo para chamar Milei de um líder populista, muito embora, é possível afirmar de pronto que a embasbacada extrema direita, seja a tradicional ou a da estética vaporwave, move todo seu aparato para alocá-lo em seu Olimpo “trumpista-bolsonarista”. É a vingança dos patriotas derrotados a pleno vapor! A Argentina é, para os “direita-órfãos”, um exemplo do que será o mundo em breve.
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Claro que o presidente argentino tem o que parece ser uma tempestade perfeita: jeito caricato, pouca diplomacia, ideias mirabolantes e um legislativo opositor. É a receita para um pequeno ou grande desastre. Esperemos.
A Argentina não é uma terra de estabilidade. Daron Acemoglu e James Robinson, em seu famoso As origens econômicas da ditadura e da democracia, utilizam nossos vizinhos como exemplo de um país cuja democracia é custosa. Foram seis golpes de Estado. Por vezes golpes dentro dos próprios golpes. A democracia pouco madura somada aos problemas econômicos atuais podem explicar a busca por uma saída que evoca um certo messianismo.
É sempre bom ressaltar, porém, conforme explica Nietzche em Crepúsculo dos ídolos, que no mundo há mais ídolos do que realidades. Os ídolos e mitos nem sempre quando testados na realidade se provam reais. Mas reside em Milei a nova chance de a extrema direita comprovar que seus homens-mito são sim de verdade.
Pois bem, outro tema de admiração dos bolsonaristas foi a votação em cédulas (boletas) no país vizinho. Frise-se que cada partido imprime suas próprias cédulas e as distribui. O eleitor então comparece ao local do voto, se dirige ao cuarto oscuro (cabine de votação) e deposita a boleta em uma urna.
O sistema é um tanto parecido com o adotado pelo Brasil até 1955 antes da cédula única. Hoje, no entanto, é absolutamente impensável um escrutínio conduzido dessa maneira tendo em vista o tamanho do território brasileiro e nosso quantitativo de eleitores atual. Mesmo com o voto “em papel”, tão querido pelos bolsonaristas brasileiros, a campanha de Milei também alegou fraude.
O que nos mostra que o real problema não é o sistema eletrônico ou as cédulas eleitorais. A questão é a ameaça de uma possível derrota misturada com a vontade de impor uma retórica que visa afrontar e descredibilizar o sistema eleitoral. Na verdade, o problema é que a extrema direita parece ter um gostinho pela antidemocracia movida por um “conspiracionismo” patológico.
Luísa Leite é advogada eleitoralista e mestranda em Ciência Política (UFPE). Pós-Graduada em Direito Público pela Escola Superior Magistratura de Pernambuco e em Direito Eleitoral pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.