Trabalhadores em educação resistem
As ações da CNTE e de entidades parceiras na luta contra a reforma do ensino médio – e contra a imposição do projeto neoliberal derrotado nas urnas – têm sido as mais diversas, com foco na conscientização das categorias de trabalhadores e no enfrentamento das pautas reacionárias nas ruas, no Congresso e no JudiciárioRoberto Franklin de Leão
A MP n. 746, enviada pelo Executivo federal ao Congresso em 22 de setembro de 2016, com a finalidade de reformar o ensino médio no Brasil, insere-se num conjunto de medidas neoliberais e conservadoras que caracterizam o governo do presidente Michel Temer, considerado golpista por grande parte da literatura jurídico-política e por movimentos sociais.
O golpe que apeou a presidenta Dilma Rousseff do poder se expressa de inúmeras formas. A principal delas diz respeito à mudança radical na agenda política, que tem contrariado o desejo de 54,5 milhões de eleitores que derrotaram nas urnas o projeto neoliberal.
Na educação, o eleitorado aprovou o avanço nas políticas públicas, sobretudo no acesso à universidade para as classes populares e na universalização das matrículas com qualidade na escola pública de nível básico.
O Plano Nacional de Educação (PNE) constitui a referência para o projeto educacional do país na década que termina em 2024. O Sistema Nacional de Educação, o Custo Aluno Qualidade, o piso salarial e as Diretrizes Nacionais de Carreira para os profissionais da educação são políticas prioritárias do PNE. A meta 20 do Plano Decenal prevê atingir o investimento equivalente a 10% do PIB na educação, especialmente por meio das riquezas oriundas do pré-sal, que já estão sendo privatizadas pelo governo atual.
Como se nota a olho nu, a agenda do golpe se contrapõe às metas do PNE não apenas nas questões quantitativas. Querem interferir diretamente na formação dos estudantes, limitando o debate e o conteúdo dos currículos escolares – vide o projeto da Lei da Mordaça (Escola sem Partido), que caminha pari passu com a reforma do ensino médio.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-2010), quase 55 milhões de pessoas acima de 25 anos não concluíram o ensino médio. E quase metade da população entre 15 e 17 anos também não cursa o ensino médio, seja pela distorção idade-série que aprisiona os jovens no ensino fundamental, estimulando a evasão precoce da escola, seja por motivos de inserção prematura no mundo do trabalho.
Em que pese a necessidade de voltar os objetivos do ensino médio para os excluídos do processo escolar – e a educação de jovens e adultos (EJA) conjugada à educação técnica profissional é a melhor alternativa para incluir na escola o grande contingente de jovens e adultos trabalhadores –, a reforma do ensino médio silencia sobre a oferta escolar no período noturno. Pior: a proposta inverte os objetivos que deveriam focar o público adulto, direcionando aos jovens em idade escolar (15 a 17 anos) uma formação voltada somente à melhoria da nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com o agravante de impor às classes populares quase exclusivamente a educação técnico-profissional como alternativa à universidade, cada vez mais distante.
A reforma retira do currículo do ensino médio (público) as disciplinas de Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física, tornando optativa a oferta da língua espanhola. Nada obsta, porém, que as escolas privadas mantenham essas disciplinas visando um “plus” de conhecimento para sua clientela. E essa medida de ajuste curricular se alinha ao propósito de redução dos gastos públicos, pois serão menos professores para formar em universidades e para contratar nos sistemas de ensino.
A mesma lógica economicista tornou obrigatórias nos três anos do ensino médio apenas as disciplinas de Português e Matemática, devendo as demais áreas de conhecimento serem ofertadas em menor tempo ou de forma intensiva, caso os sistemas de ensino optem por disponibilizá-las aos estudantes.
Em síntese, o conteúdo da reforma segue a lógica do mercado, sob a égide das agências multilaterais, com destaque para a cartilha do Banco Mundial.
Já a forma aligeirada com que se pretende aprovar mais esse expediente neoliberal é ainda pior que a empregada em outras propostas do governo, pois se pauta numa medida provisória. E não há como deixar de questionar esse expediente autoritário, que inviabiliza o amplo e necessário debate social sobre tema da mais alta relevância para a sociedade.
Tal como tem acontecido com a PEC n. 241, cujo objetivo é desmontar a oferta de serviços públicos, inclusive desvinculando os recursos constitucionais para a educação e a saúde, o objetivo da celeridade na MP n. 746 é não dar tempo de reação às classes populares – as principais atingidas pelas reformas –, que continuam entorpecidas por parcela da grande mídia que apoia o golpe, sob os efeitos da descrença na política e do combate à corrupção.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e seus cinquenta sindicatos filiados em todo o país repudiam a forma autoritária e o conteúdo extemporâneo da reforma do ensino médio, que investe na dicotomia entre áreas de conhecimento e limita a capacidade de pensar da juventude.
E, por sua associação às medidas de ajuste fiscal, temos combatido a reforma do ensino médio em conjunto com a PEC n. 241; o PLP n. 257, que reduz o atendimento público à população e impõe arrocho aos servidores; o PLC n. 30/2015, que amplia a terceirização para todas as áreas, inclusive no serviço público, no qual já existe diploma legal para terceirizar as escolas e seus profissionais por meio de organizações sociais – trata-se da Lei n. 9.637/1998, julgada recentemente constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações da CNTE e de entidades parceiras na luta contra a reforma do ensino médio – e contra a imposição do projeto neoliberal derrotado nas urnas – têm sido as mais diversas, com foco na conscientização das categorias de trabalhadores e no enfrentamento das pautas reacionárias nas ruas, no Congresso e no Poder Judiciário.
A CNTE ingressou com ação direta de inconstitucionalidade no STF contra a MP n. 746. A entidade também enviou cartazes e jornais murais denunciando as reformas para todas as escolas públicas do país. Em 30 de setembro, a CNTE e sua afiliada no estado de São Paulo, a Apeoesp, realizaram webconferência sobre a reforma do ensino médio. Semanalmente estamos em Brasília acompanhando o desenrolar das reformas e pressionando os parlamentares para não aderir a elas. Aprovamos nas instâncias da Confederação calendário de mobilização que prevê corpo a corpo com deputados e senadores em seus estados de origem, como forma de aumentar a pressão e atrair outras representações sociais para a luta.
Por outro lado, a CNTE vê com bastante entusiasmo o processo de ocupação das escolas pelos estudantes secundaristas em todo o país, e temos conclamado nossa categoria a apoiar as ocupações neste momento em que as baterias do golpe se voltam também contra os jovens.
Em novembro, a CUT e outras centrais promoverão greve geral para denunciar as políticas de Estado mínimo do governo Temer e suas implicações para a classe trabalhadora. E a greve já incorporou em suas reivindicações a não aprovação da reforma do ensino médio, pois a medida colide com o projeto de país almejado pela juventude e pelos trabalhadores.
Ao contrário do apartheid socioeducacional que a reforma do ensino médio pretende instalar no Brasil – e a secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, não escondeu esse objetivo nefasto da reforma em entrevista à revista Veja (30 set. 2016) –, nossa luta é por escola pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade, socialmente referenciada para todos e todas.
Os documentos da CNTE sobre a reforma do ensino médio e sobre outros temas estão disponíveis em <www.cnte.org.br>.