Um apelo à ação na Cúpula das 3 Bacias
A tutela das terras indígenas é um componente essencial de nossa estratégia compartilhada de mitigação do clima
Enquanto líderes de organizações que representam milhões de povos indígenas e comunidades locais em toda a Bacia Amazônica, Bacia do Congo e da Indonésia, que têm colaborado para avançar objetivos comuns por mais de uma década, saudamos a Cúpula das 3 Bacias com otimismo cauteloso. Esta iniciativa representa uma oportunidade única para que as nações abordem coletivamente desafios ambientais, sociais e econômicos, ao mesmo tempo em que fomentam a cooperação e a compreensão. É, sem dúvida, um passo na direção certa, mas o verdadeiro sucesso só pode ser alcançado se as demandas e os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais forem reconhecidos e respeitados ao longo deste processo. Estamos compartilhando esta mensagem como líderes da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago (AMAN), Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Coordenador Regional da Rede de Povos Indígenas e Locais para a Gestão de Ecossistemas Florestais da África Central (REPALEAC) porque acreditamos na união de nossos povos e comunidades para a defesa de nossa Terra.
Esta cúpula transcende uma simples reunião de governos: ela simboliza a profunda interconexão de nossos ecossistemas e seu impacto no planeta. As florestas, em particular, desempenham um papel fundamental: regulam o clima, fornecem ar limpo, água potável e serviços ecossistêmicos inestimáveis. Para nossos povos e comunidades, essas bacias não são apenas regiões geográficas: são nossos lares, nosso sangue vital e a encarnação de nosso patrimônio cultural.
Gerações após gerações, temos sido os guardiões dedicados das florestas do mundo, usando o conhecimento tradicional e práticas sustentáveis para proteger esses ecossistemas vitais. Apesar de os povos indígenas representarem cerca de 15% dos mais pobres do mundo e apenas 5% da população global, estamos protegendo 80% da biodiversidade mundial restante, demonstrando que áreas protegidas, combinadas à custódia de nossos povos e comunidades, são as estratégias mais eficazes para preservar nossas florestas.
No entanto, os desafios que enfrentamos têm afetado severamente nossas terras. Testemunhamos as consequências devastadoras do desmatamento ilegal, da mineração e da invasão de empresas agroindustriais. Esses interesses poderosos ameaçam os direitos indígenas. No Brasil, a decisão do Marco Temporal colocou em perigo os direitos territoriais das comunidades indígenas, comprometendo suas terras e direitos mais amplos. Essas questões prementes não são exclusivas do Brasil; desafios semelhantes persistem na Indonésia. Nos últimos 5 anos (2017-2022), houve pelo menos 301 casos envolvendo a apropriação de 8,5 milhões de hectares de territórios indígenas e a criminalização de 672 líderes indígenas.
Em geral, os conflitos que ocorrem nas Comunidades Indígenas incluem o setor de plantações, áreas florestais estatais, mineração e desenvolvimento de projetos de infraestrutura. Um exemplo recente é o caso da empresa de óleo de palma HMBP, cujas ações supostamente causaram a morte de um indígena que defendia os direitos de sua comunidade e perpetuaram violações dos direitos humanos e invasões de terras. A África não é exceção, à medida que operações de mineração de minerais vitais e a contínua exploração de petróleo e de gás continuam a invadir terras ancestrais e ambientes intocados. Isso contrasta fortemente com os esforços que os povos indígenas da África Central lideram para o reconhecimento legal de seus direitos, com os avanços mais recentes na RDC e na República do Congo. O desrespeito pelos direitos indígenas e a busca inabalável por combustíveis fósseis, mineração e expansão agroindustrial minam fundamentalmente qualquer compromisso sincero com o desenvolvimento sustentável e a ação climática.
As taxas de desmatamento em territórios indígenas mostram consistentemente uma redução significativa, com uma média de 17% a 26% a menos do que as taxas globais de desmatamento em florestas tropicais desprotegidas. Para mitigar a pressão sobre esses ecossistemas vitais, é imperativo oferecer meios de subsistência alternativos e perspectivas econômicas sustentáveis às comunidades que vivem nas proximidades dessas florestas. Portanto, há uma necessidade premente de apoio financeiro internacional para fortalecer esta iniciativa crucial.
Os princípios do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) devem ser respeitados para garantir que os povos indígenas tenham direitos em projetos e políticas que afetam seus territórios. Os esforços colaborativos entre governos e comunidades indígenas têm mais probabilidade de levar a soluções sustentáveis e equitativas. Como guardiões dos territórios, advogamos incansavelmente por nossos direitos, pela proteção de nossos territórios e pela ancoragem das estratégias climáticas em um compromisso com uma mudança real e duradoura.
No entanto, todos esses esforços para proteger nossas florestas podem ser inúteis se não tomarmos medidas imediatas sobre as mudanças climáticas. As mudanças climáticas ameaçam levar nossas florestas a pontos de não retorno, colocando em perigo sua existência. De acordo com cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e da Agência Internacional de Energia, a maneira mais certa de evitar esse resultado catastrófico é abster-se de explorar novas reservas de combustíveis fósseis e se comprometer com uma redução justa e planejada da demanda e da produção de combustíveis fósseis existentes. Além disso, um elemento crucial da ação climática eficaz é o reconhecimento e a promoção dos direitos territoriais indígenas. Capacitar os povos indígenas e as comunidades para proteger e gerenciar suas terras ancestrais não só contribui para a preservação das florestas, mas também fortalece práticas ambientais sustentáveis. A tutela das terras indígenas é um componente essencial de nossa estratégia compartilhada de mitigação do clima.
É evidente que a conversa global sobre o fim da exploração de novos combustíveis fósseis e a transição para longe desses poluentes não está progredindo na velocidade necessária. A liderança política do Sul Global pode desempenhar um papel fundamental em preparar o terreno para uma mudança significativa. Como líder do G20, do BRICS e da Conferência Climática de 2025, o Presidente Lula tem a obrigação de tornar isso uma prioridade máxima, não porque estamos pedindo, mas porque não há outra alternativa. Precisamos de líderes que defendam essa causa e impulsionem a transformação que o planeta inteiro precisa com urgência.
Acreditamos que a Cúpula das 3 Bacias pode ser um ponto de virada na luta global pela proteção dos direitos indígenas, das florestas tropicais e contra as mudanças climáticas. Esta cúpula oferece uma oportunidade para passarmos do isolamento para a cooperação, da exploração para a administração responsável e da indiferença para a responsabilidade. Esperamos que a Cúpula das 3 Bacias resulte em declarações ressonantes que afirmem os direitos indígenas às nossas terras ancestrais. Exigimos uma reforma abrangente dos sistemas financeiros internacionais que regem o desenvolvimento e o financiamento climático. O mais importante: instamos a cúpula a tomar uma posição firme em apoio ao fim de toda exploração de novos combustíveis fósseis e à promoção de uma eliminação justa e planejada da demanda e do uso de combustíveis fósseis existentes. Esta é a única maneira de garantir o futuro de toda a vida neste planeta, incluindo a nossa.
Rukka Sombolinggi é Secretário Geral da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago (AMAN), Kleber Karipuna é Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Joseph Itongwa é Coordenador Regional da Rede de Povos Indígenas e Locais para o Manejo de Ecossistemas Florestais da África Central (REPALEAC)