Um Ensino Superior mais inclusivo
Desde os anos 1980, a expansão de vagas nas universidades abriu novas oportunidades educacionais para estudantes de famílias de baixa renda. Entretanto, as matrículas de grupos de renda mais altos também cresceu e o resultado final acaba sendo um padrão regressivo do acesso ao ensino superior
Desigualdade social e educação superior
É amplamente aceito que o acesso à educação superior ajuda a quebrar o ciclo de pobreza intragerações e permite que comunidades marginalizadas participem mais intensamente do desenvolvimento (Diaz-Romero, 2007). Na economia globalizada e impulsionada pela informação da atualidade, investimentos igualitários em capital humano são ainda mais urgentes. Entretanto, na América Latina persistem desigualdades profundamente enraizadas nas instituições e na história colonial, incluindo a dominação das populações indígenas e a escravidão, limitando a oportunidade educacional. Embora novos dados baseados em pesquisas locais sugiram que alguns aspectos dessa desigualdade diminuíram nos anos 2000, revertendo aumentos significativos nos anos oitenta e noventa (Gasparini et al., 2009), diferenças étnicas e raciais continuam fortemente correlacionadas a falhas na renda, educação e acesso a outros serviços sociais básicos.
A expansão que mais que dobrou o número de vagas no ensino superior na América Latina desde os anos oitenta abriu novas oportunidades educacionais para estudantes de famílias de baixa renda. No Brasil, 35% dos estudantes nas instituições de ensino superior públicas vêm de famílias com renda inferior a US$ 300 mensais, embora representem 47% da população (Schwartzman, 2009). Entretanto, as matrículas de grupos de renda mais altos também cresceu e esse aumento parece estar concentrado nos níveis mais altos da distribuição de renda. O resultado final é um padrão regressivo onde, mesmo com a expansão do sistema de ensino superior, a diferença entre o número de matrículas das camadas mais ricas e mais pobres da população na realidade aumentou. Essa é a receita para um aumento da desigualdade social, pois enquanto as famílias mais ricas colhem um resultado maior por seus investimentos em educação, as famílias mais pobres ficam ainda mais para trás (Holm-Nielson, et. al., 2005).
Fatores étnicos e raciais afetam fortemente o acesso ao ensino superior. Embora dados quantitativos sejam escassos, um número de estudos correntes sugere que os estudantes indígenas estejam sub-representados, em comparação com outros grupos populacionais (Mato, 2009). No México, de acordo com dados fornecidos pela Associação Nacional das Universidades e Estabelecimentos de Ensino Superior (ANUIES), somente 2% da população indígena de 18-22 anos de idade caminha para o ensino superior. Em contraste, 22% da população não-indígena na mesma faixa etária entram em universidades ou em outras instituições de ensino superior. As taxas de retenção e graduação dos estudantes indígenas também são menores. Entre os estudantes indígenas matriculados no ensino superior mexicano, somente um em cada cinco se forma, contra a média de um em cada dois dos outros grupos (Navarrete, 2008). Na Guatemala, onde estima-se que a população indígena represente de 45% a 60% do total, somente 6,8% dos indígenas têm diploma universitário, em comparação com 16,8% dos ladinos. (Acevedo, 2009).
Dados demográficos e de matrículas das populações de origem africana são ainda mais difíceis de obter, em consequência da complicada antropologia da identificação racial na região. Um estudo baseado no censo do ano 2000 estima que a população de origem africana na América Latina seja de 150 milhões, 80% dos quais concentrados em três países – Brasil, Colômbia e Venezuela (Mato, 2009). Como os indígenas, as populações de origem africana também são sub-representadas na educação superior. No Brasil, embora o número de não-brancos no ensino superior tenha tido um aumento de 22% em 2001 e de 32% em 2007, eles ainda estão sub-representados, em uma sociedade onde aproximadamente 50% da população se identificam como não-brancos (Schwartzman, 2009). A falta de dados indica o pouco interesse de economistas e pesquisadores da educação, que tendem a concentrar as desigualdades de renda e suas consequências na educação como sendo a principal restrição ao melhor acesso a um melhor treinamento para grupos menos privilegiados (Holm-Nielson et.al., 2005). Apesar de tudo, mesmo dados limitados mostram claramente que a “população de origem africana é quantitativamente significativa e suas oportunidades de acesso à educação são deficientes” (Mato, 2009).
Outros fatores além de raça e etnia também inibem o acesso à educação superior. Na América Latina, o número de mulheres supera o de homens na educação secundária e terciária, mas a combinação de fatores de exclusão como etnia, lugar de origem e sexo, tem um profundo efeito. No Peru, a chance de uma mulher indígena da área rural ter acesso ao ensino superior é quatro vezes menor que a de um homem branco da área urbana, mas ainda menor que a de um indígena da área rural. Considerando que a taxa de matrículas total no Peru já é baixa, essa disparidade significa que se as perspectivas de educação superior para um índio são poucas, para a mulher indígena elas são praticamente inexistentes (De Belaúnde, et. al., 2008).
Respostas politicas
Para educadores e políticos, expandir o acesso ao ensino superior na América Latina é sinônimo de formidáveis desafios. Canalizar a ajuda financeira para os pobres na forma de empréstimos ou bolsas de estudo parece ser a solução óbvia, embora as famílias pobres não tenham como garantir os empréstimos. Além disso, o montante disponível para ajuda financeira é bem inferior ao que seria necessário. Mesmo na Venezuela, onde os investimentos sociais são altos, somente 8% dos estudantes do ensino superior recebem ajuda financeira. E nem sempre essa ajuda é dirigida aos mais necessitados. No México, a probabilidade de receber uma bolsa de estudos para a universidade aumenta, na realidade, conforme aumenta a faixa de renda (Holm-Nielson, et. al., 2005).
Nos últimos dez anos, surgiram respostas políticas mais inovadoras. Por exemplo, as chamadas “universidades indígenas e multiculturais” emergiram em toda a região, particularmente no México1. No começo da década, a única universidade indígena formalmente reconhecida era a das Regiões Autônomas da Costa do Caribe Nicaraguense [Universidad de las Regiones Autónomas de La Costa Caribe Nicaraguense – URACCAN], criada em 1996. Um estudo realizado entre julho de 2007 e maio de 2008 identificou mais de 50 instituições de ensino superior ou acordos interinstitucionais na região, orientados para atender às necessidades, demandas e propostas da educação superior das comunidades indígenas e de origem africana. Um estudo posterior, de 2009, estima que aproximadamente 100 experimentos similares podem ser recenseados, unic
amente na área de ensino (Mato, 2009).
Esse crescimento atesta a poderosa mobilização de grupos indígenas e de origem africana, no sentido do “planejamento, construção e luta por suas próprias universidades” (Llanes, 2009)2. Muito mais do que simplesmente abrir vagas de estudo para estudantes dos grupos com deficiências educacionais, as instituições e os programas atendem às demandas explícitas desses grupos, no sentido de incorporar ao currículo seus conhecimentos tradicionais, língua e estilo de aprendizagem. Além disso, o propósito dessas inovações é promover a diversidade cultural e contribuir para relações interculturais mais equilibradas. (Mato, 2009). A despeito dos problemas previsíveis devido aos fundos limitados e precários, algumas dessas iniciativas têm criado raízes, especialmente em áreas rurais.
Um segundo maior esforço para reverter as diferenças educacionais baseia-se na legislação e nos programas de ação afirmativa. No Brasil, de acordo com um projeto de lei, 50% das vagas de universidades públicas seriam reservadas para alunos de escolas públicas: desses 50%, metade das vagas remanescentes seriam destinadas para descendentes de africanos e índios, e a outra metade para estudantes de baixa renda. Na Colômbia, a lei criaria cotas para aumentar a representação de colombianos descendentes de africanos nas universidades, cargos públicos, no exército, nos partidos políticos e nas empresas (Latin America Thought, 2009). No Brasil, algumas universidades já aplicam o sistema de cotas raciais, como a Universidade de Brasília, que desde 2004 disponibiliza 20% de suas vagas para brasileiros descendentes de africanos. Em 2008, cerca de 50% das universidades brasileiras tinham instituído políticas de ação afirmativa baseadas em raça, incluindo a reserva de uma porcentagem fixa de vagas para estudantes não-brancos, e programas que concedem pontos adicionais na seleção de candidatos brasileiros descendentes de africanos, índios e outros socialmente em desvantagem. (Telles, 2009).
Em ambos os casos, projetos de lei e ações afirmativas em geral são altamente controversos. Na Colômbia, críticos contestam que os programas de ação afirmativa são mais uma importação americana – uma acusação especialmente sensível, dado o alto valor de ajuda externa enviada pelos Estados Unidos para conter o sempre presente tráfico de drogas e os movimentos de guerrilha do país.
No Brasil, entre os diversos argumentos que alimentam a crescente rejeição às políticas de ação afirmativa, os críticos apontam que a fluida classificação racial frequentemente torna impossível distinguir negros de brancos e que tais políticas permitirão o acesso de estudantes não-qualificados às universidades públicas. Essa última acusação é similar a argumentos usados também nos Estados Unidos, mas particularmente agravante no Brasil, onde as universidades públicas oferecem ensino gratuito de alta qualidade. De modo geral, os críticos temem que políticas baseadas na raça “racializem” a vida cotidiana, exacerbando conflitos sociais. Entretanto, apesar de os detratores das políticas de ação afirmativa nas universidades continuarem a propor ações legais, seus medos não se materializaram. Ao contrário, brasileiros de descendência africana admitidos pelos sistemas de cotas ou pontos frequentemente saem-se tão bem quanto estudantes admitidos pelos meios tradicionais, e um número sem precedentes já se graduou por universidades de primeira linha. Em vez de se tornarem mais hostis, as relações raciais no Brasil podem, na realidade, se beneficiar com o fim da ideia de “democracia racial” e de um amplo debate nacional sobre racismo (Telles, 2009).
*Dra. Joan Dassin PhD, é diretora executiva do Fundo internacional de bolsas de estudo [International Fellowship Fund-IFF], na cidade de Nova York. O IFF administra o programa internacional de bolsas de estudo do Programa Internacional de Parceria da Fundação Ford [Ford Foundation International Fellowships Program-IFP], em parceria com dezenas de outras instituições ao redor do mundo. Para saber mais sobre o programa ou sobre os parceiros do IFF, acesse o site www.fordifp.org.