Um grito sobre Schengen
A União Europeia anunciou em 15 de dezembro de 2015 a criação de uma nova força policial encarregada de vigiar as fronteiras exteriores do continente. Um passo adiante em direção ao retrocesso securitário que não resolverá a crise dos migrantesBenoît Bréville
Mais de 1 milhão de pedidos de asilo; dezenas de barcos acostando todos os dias nas praias gregas e maltesas; um número recorde de mortos no Mediterrâneo; países que enviam o Exército para vigiar suas fronteiras… De uma amplitude excepcional, a onda migratória de 2015 interrompeu seriamente o funcionamento da União Europeia. Entre os meses de agosto e outubro do ano passado, a Alemanha, a Áustria, a Hungria, a República Tcheca e a Eslováquia restabeleceram controles em suas fronteiras para bloquear a chegada de refugiados.
Desde os atentados de 13 de novembro em Paris, a França se juntou ao movimento, e alguns políticos fizeram do Acordo de Schengen, que regula a livre circulação das pessoas entre os Estados signatários, uma das causas da matança. “Schengen está morto”, julgou Nicolas Sarkozy, presidente dos Republicanos. “A ausência de fronteiras nacionais representa uma loucura criminosa”, acrescentou Marine Le Pen (Front National), enquanto Nicolas Dupont-Aignan (Debout la France) reclamava o “restabelecimento de nossas fronteiras nacionais para evitar a infiltração dos jihadistas”. “Se a Europa não assume suas responsabilidades, então todo o espaço Schengen será posto em dúvida”, ameaçou o primeiro-ministro socialista Manuel Valls.1
Descoberta de 71 cadáveres em decomposição em um caminhão na Áustria, emoção diante da fotografia de uma criança síria afogada – entre muitos outros – em uma praia turca: diversos dramas preencheram o ano que passou, parecendo dar início a uma tomada de consciência coletiva, antes que o interesse não se desvie para outro lugar. Os dirigentes políticos se indignaram, depois incriminaram os traficantes de migrantes. O ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, anunciou um “combate sem misericórdia às fileiras do tráfico de seres humanos”, enquanto seu homólogo alemão, Thomas de Maizière, prometia “lutar contra os bandos de traficantes criminosos que fazem negócio com a miséria humana.” Os “traficantes” constituem culpados ideais; mas eles tiram proveito simplesmente do fosso que se aprofunda entre as vias legais de imigração na Europa e a muito forte demanda de emigração, principalmente no Oriente Médio e na África.
As fronteiras europeias não são unilateralmente fechadas à imigração. Em 2013, por exemplo, os 28 Estados-membros da União acolheram legalmente mais de 1,5 milhão de estrangeiros extracomunitários. Cada Estado decide o tamanho desses fluxos em função da conjuntura econômica, da situação demográfica ou ainda da coloração política do governo. Na França, 209.782 vistos de permanência foram emitidos em 2014 – a título de reagrupamento familiar, para estudantes, para trabalhadores qualificados, temporários ou ainda para refugiados –, isto é, apenas 13 mil a mais que em 2010.
Nesse meio-tempo, no entanto, diversos países do Oriente Médio e da África entraram em guerras civis que lançaram para fora milhões de pessoas. Na impossibilidade de obter um visto, muitas delas atravessam ilegalmente as fronteiras europeias. Para isso, devem se esconder em caminhões, encontrar locais de hospedagem provisória, atravessar o Mediterrâneo em barcos clandestinos, obter falsos documentos, subornar funcionários corruptos. São tantas operações que requerem a intervenção de redes organizadas.
Faz 25 anos que a União Europeia multiplica os dispositivos para barrar a rota da imigração clandestina: base de dados comum para os policiais europeus (Sistema de Informações Schengen), criação em 2000 de um arquivo de impressões digitais e lançamento, em 2005, da Frontex, a agência europeia encarregada de vigiar as fronteiras exteriores com reforço considerável de helicópteros, drones, navios militares, óculos de visão noturna e detectores de batimentos cardíacos. Segundo os cálculos do projeto The Migrant Files,2 desde 2000 a imigração clandestina para a Europa gerou um valor de troca de pelo menos 16 bilhões de euros para as redes de tráfico de imigrantes sem documentos. No mesmo período, os Estados-membros da União gastaram 11 bilhões de euros para expulsar os sem-documentos e ao menos 2 bilhões de euros para reforçar seus 14 mil quilômetros de fronteiras exteriores.
Esses números ainda são modestos se comparados aos meios mobilizados pelos Estados Unidos para preservar seu território: US$ 18 bilhões por ano, essencialmente concentrados nos 3.140 quilômetros de fronteira com o México, onde foi construído um muro de 5 metros de altura munido de 1,8 mil torres de vigilância. Atrás dele trabalham 20 mil agentes de segurança, ou seja, um a cada 150 metros.
O cientista político Peter Andreas demonstrou que o aperfeiçoamento dos dispositivos de controle fronteiriço nos Estados Unidos tinha aumentado o custo e a duração das viagens, o preço dos documentos falsos e os fundos necessários para corromper um funcionário. Tudo isso provoca uma criminalização crescente das redes de tráfico de imigrantes, que, pouco a pouco, se confundem com as do tráfico de drogas.3 Mas esse controle quase militar não dissuadiu os candidatos ao exílio, cuja motivação depende essencialmente da situação em seu país de origem. A cada ano, de 300 mil a 400 mil pessoas continuam atravessando ilegalmente a fronteira norte-americana.
As guerras que destroçam a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, o Iêmen, a Nigéria, a Somália e o Sudão produzem um fluxo de refugiados que se amplia à medida que os conflitos se complicam. Esses deslocamentos se instalam essencialmente dentro do próprio país, ou nos Estados limítrofes: juntos, o Líbano, a Turquia e a Jordânia acolhem cerca de 4 milhões de sírios.4 Apenas uma minoria tenta a sorte na Europa. Em teoria, esses cidadãos de países em guerra podem pretender um status de refugiado em um dos Estados-membros da União Europeia, todos signatários da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951. Na prática, é muito difícil que obtenham.
Ainda que o jogo esteja longe de estar vencido depois da entrada em um país europeu, a maior parte dos obstáculos diz respeito ao percurso que leva ao Velho Continente. Em primeiro lugar, é impossível fazer um pedido de asilo do estrangeiro. Para obter legalmente a proteção, por exemplo, da França, o candidato deve chegar a uma embaixada ou consulado francês em seu próprio país, ou em um país vizinho se eles estiverem fechados, como na Síria e na Somália. Lá ele poderá solicitar um “visto a título de asilo”, que lhe permitirá apenas entrar em território francês e dar entrada no pedido. Mas esses vistos só são emitidos a conta-gotas pelo Ministério do Interior: em 2014, apenas 712 sírios foram beneficiados.5 Um habitante de Homs que conseguir chegar a Beirute para solicitar um visto tem muito pouca chance de conseguir deixar o Líbano.
Outro método para penetrar legalmente na União Europeia: entrar em um dos campos administrados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), depois esperar uma transferência para um país considerado mais seguro em virtude dos “acordos de reinstalação”. Mas, mesmo assim, as chances de obtê-lo são muito pequenas: na França, o dispositivo só atingiu quinhentos sírios em 2014.6
Entretanto, os refugiados se contam aos milhões. A maioria deles deve entrar clandestinamente na União Europeia, ao final de uma viagem que primeiro os terá levado à fronteira turco-síria, onde agem grupos jihadistas, ou a uma Líbia destruída pelas milícias. Apenas o recurso ao tráfico de imigrantes pode permitir que cheguem ao bom porto. Longo, perigoso, fisicamente desgastante, esse percurso induz a uma seleção entre os migrantes: é preciso ser jovem, robusto, determinado e vir de um meio suficientemente rico para poder pagar a viagem. Portanto, os refugiados atuais são frequentemente urbanos e diplomados; 72% deles são homens – e não 99%, como sugeriu Le Pen –, 13% são mulheres e 15% são crianças.
Responsabilidade mal compartilhada
Segundo o Regulamento Dublin II, adotado em 2003 pela União Europeia, aqueles que chegam à Europa devem dar entrada a um pedido de asilo no primeiro país onde colocaram o pé. Essa disposição ignora a realidade das migrações, já que diversas delas passam pela Itália ou pela Grécia apenas na esperança de chegar a outro país. Mas também condena à ilegalidade aqueles que gostariam, por exemplo, de se encontrar com um parente ou um amigo na Suécia, e provoca um profundo desequilíbrio territorial, já que a maior parte dos refugiados chega obrigatoriamente aos Estados periféricos.
No começo dos anos 2000, a Espanha estava na linha de frente dos habitantes da África subsaariana e do Magreb que tentavam atravessar o Estreito de Gibraltar ou penetrar nos enclaves de Ceuta e Melilla. À medida que as barreiras foram reforçadas nessa região (construção de muros e de campos de retenção, multiplicação das operações da Frontex…), os fluxos se dirigiram para a Itália e para Malta, onde desembarcam os imigrantes vindos da Líbia e da Tunísia, e para a Grécia, aonde chegam os que empregam a rota turca.7
Desde 2011 e do início das Primaveras Árabes, esses três Estados viram desembarcar a maioria das pessoas que buscam refúgio no Velho Continente. Eles sofrem assim uma espécie de dupla pena: além de terem de garantir o controle das fronteiras externas do continente, devem administrar a chegada, a acolhida, a hospedagem – frequentemente em campos – e os pedidos de centenas de milhares de refugiados. Pressionada por diversos planos de austeridade, a Grécia mal consegue assumir tal papel. “Esse problema nos ultrapassa. A Grécia é um país em crise econômica e enfrenta uma crise humanitária dentro da crise”, declarou o primeiro-ministro Alexis Tsipras em 7 de agosto.8
Transformar um dos membros mais frágeis da União Europeia em guardião continental já constitui uma imposição temível de Bruxelas. Isso não impede a Grécia de ainda ser regularmente censurada por seus “parceiros” europeus, que a ameaçaram, no início de dezembro, de excluí-la do espaço Schengen se ela não controlasse melhor suas fronteiras. “Todo país deve respeitar o código Schengen, incluindo a regra que impõe que os pedidos de asilo são feitos no país de chegada, por exemplo, a Grécia, e não em outro lugar”, insistiu o presidente polonês do Conselho Europeu, Donald Tusk, em 3 de dezembro.9 Ainda que esse conselho seja mais facilmente seguido por Estocolmo, Paris ou Berlim do que por Atenas e Roma, Tusk se apressou em acrescentar que os países “na primeira linha do êxodo” deveriam, é claro, se beneficiar da “solidariedade europeia”.
Salvo que as migrações são como as políticas monetárias: a solidariedade não é a qualidade mais compartilhada no seio da União Europeia. Diversos Estados do Norte tentam conter o problema nos países do Sul, que disputam para saber quem vai carregar a parte mais pesada do fardo. Em 2008 e 2009, tensões desse tipo opuseram os governos italiano e maltês a respeito da operação Nautilus, organizada pela Frontex no Mediterrâneo central: que país deveria acolher as pessoas interceptadas no mar pela agência? Segundo Roma, a carga cabia ao Estado que hospedava a missão, quer dizer, Malta; o governo maltês, por sua vez, clamando o direito internacional, afirmava que eles deveriam desembarcar no porto “seguro” mais próximo, no caso, Lampedusa. Por falta de um acordo entre os dois países, Bruxelas decidiu contra Malta, que nunca mais acolheu uma missão da Frontex desde então.10
A Itália teve menos sorte no início de 2011, quando o governo de Silvio Berlusconi decidiu conceder 25 mil vistos de permanência temporária, abrindo a possibilidade de circular na Europa, a tunisianos desembarcados na Sicília. Os ministros do Interior austríaco, alemão, belga, finlandês, holandês e eslovaco se opuseram imediatamente à decisão, evocando uma “violação do espaço Schengen”. Sarkozy, então presidente francês, decidiu suspender a circulação ferroviária com a Itália. O caso ainda foi julgado pela Comissão Europeia, que deu razão a Paris, aceitando modificar as regras de livre circulação na Europa. Se até então só era possível fechar as fronteiras “em caso de grave ameaça para a ordem pública ou para a segurança interna”, desde 2013 é possível fazê-lo em caso de “deficiências persistentes e sérias de um Estado-membro no controle das fronteiras externas”.
Em um contexto de afluxo migratório que não pode ser impedido nas portas da Europa, essa nova disposição ameaça a própria existência do espaço Schengen. Depois dos atentados de 13 de novembro de 2015, cometidos por jihadistas entre os quais diversos tinham chegado a Paris fazendo-se passar por refugiados, Bruxelas respondeu às ameaças de fechamento das fronteiras assinando apressadamente um acordo com Ancara. Graças a US$ 3 bilhões, à promessa de uma liberalização da entrega dos vistos europeus aos turcos e ao recomeço das negociações de adesão à União Europeia, a Turquia se comprometeu a reter os refugiados que transitam por seu território e readmitir os migrantes econômicos que voltam. Apresentado como histórico, esse “plano de ação comum” não tem nada de realmente novo. Antes dele, a União Europeia e seus membros já tinham assinado mais de trezentos acordos de readmissão com 85 países. Essas negociações tomam frequentemente a forma de uma chantagem travestida: os governos europeus fazem brilhar diante de seus parceiros, em troca de uma melhor cooperação de sua parte, uma atitude mais conciliadora em matéria de política externa ou comercial.11
Mesmo que o presidente turco se mostre intratável em sua caçada aos clandestinos, o acordo assinado com Ancara não vai resolver o problema. Ele o deslocará – talvez para a Líbia, onde as redes de tráfico de imigrantes reinam desde a queda de Muamar Kadafi. Tudo leva a crer que o afluxo de refugiados na periferia da Europa continuará ao longo dos meses e anos vindouros. E os Estados da União Europeia não param de reforçar as fronteiras internas. Tal dinâmica atinge, no entanto, a própria essência do projeto europeu, fundado desde o Tratado de Roma de 1957 sobre a livre circulação.
Circulação de mercadorias e pessoas
Quando, em junho de 1985, a França e a Alemanha, assim como a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo (Benelux), assinaram o Acordo de Schengen prevendo a abolição das fronteiras nacionais, não era para permitir que os cidadãos viajassem livremente, mas porque o continente atravessava havia mais de um ano uma “crise do mercado comum”. Descontentes com suas condições de trabalho, que se intensificaram por causa do aumento do comércio intraeuropeu, os agentes de alfândega franceses e italianos tinham iniciado em fevereiro de 1984 uma greve de zelo e se puseram a controlar todos os caminhões que passavam por suas fronteiras. Os motoristas responderam com bloqueios, provocando engarrafamentos monumentais. Quando o conflito terminou, o secretariado do Benelux se apropriou desse caso estudando as condições de uma livre circulação terrestre dos indivíduos e das mercadorias na Europa. A perspectiva foi encorajada pela Alemanha, cuja economia industrial e exportadora patinava em razão da insuficiente fluidez das estradas europeias. Daí nasceram o Acordo de Schengen de 1985, a Convenção de Schengen de 1990, a abertura efetiva das fronteiras interiores na Europa ocidental a partir de 1997, depois a extensão progressiva desse dispositivo para 27 países.12
Desde os anos 1980, o comércio intraeuropeu explodiu na União Europeia. Os carros fabricados na França são, por exemplo, compostos por peças produzidas no estrangeiro, que percorreram diversos países antes de chegar à cadeia de montagem. Em 2013, o transporte rodoviário de mercadorias na Europa atingiu o número impressionante de 1,765 trilhões de toneladas-quilômetros.13 A cada dia, centenas de milhares de caminhões atravessam o continente, abastecidos com mercadorias cujos prazos de entrega dificilmente suportariam as horas de espera impostas pelos controles de fronteira. Inclusive, há vinte anos, milhões de trabalhadores abraçaram a sorte da liberdade de circulação para encontrar um emprego em um país vizinho. A França, por exemplo, contava com 158 mil trabalhadores fronteiriços em 1995; hoje, eles são mais de 350 mil.
Questionar o Acordo de Schengen não é concebível sem uma reorganização profunda na economia continental. Os defensores mais convictos do mercado único têm plena consciência disso e multiplicam as advertências. A Federação Holandesa das Empresas de Transporte e Logística comunicou, assim, em setembro passado que um retorno das fronteiras levaria a um prejuízo de 600 milhões de euros por ano para as empresas que ela representa. “Se as fronteiras interiores forem restabelecidas, como preconizam alguns líderes políticos, teremos graves problemas. Novas barreiras ameaçariam o comércio”, preveniu a comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmström.14
A supressão do espaço Schengen colocaria provavelmente um freio na terceirização industrial e no dumping social, incitando talvez algumas empresas a voltar a se instalar onde elas vendem seus produtos, com benefícios ecológicos. Mas não resolveria em nada a crise dos refugiados. O restabelecimento das fronteiras francesas não impedirá que os navios acostem na Espanha. Se os migrantes encontram portas fechadas ao chegar aos Pirineus, eles empregarão uma via clandestina recorrendo a traficantes, como nos anos 1950 e 1960, quando a ditadura de António de Oliveira Salazar proibia aos portugueses emigrar legalmente. O governo francês sem dúvida vai propor a construção de um muro, como faz atualmente a Hungria em sua fronteira com a Sérvia, reproduzindo o círculo vicioso norte-americano: a sofisticação da repressão provoca uma profissionalização do tráfico, sem impedir a passagem dos clandestinos.
Não é surpreendente que os partidos de extrema direita europeus façam de Schengen e da imigração a causa da maioria dos problemas, do desemprego ao terrorismo, passando pela erosão do Estado social: eles militam desde sempre pelo restabelecimento das barreiras nacionais, e alguns se converteram, há pouco tempo, ao protecionismo. Podemos, por outro lado, nos espantar ao ver formações “pró-europeias” preconizando soluções que destruiriam o edifício que construíram por trinta anos. Essa reviravolta mostra quanto o reflexo do fechamento nacional se estende agora para além da extrema direita, no seio de formações políticas que, diante de situações excepcionais, não consideram mais buscar soluções originais e preferem frequentemente voltar para a velha tática que consiste em opor as classes populares “nativas” aos estrangeiros. Com exceção de Berlim, que propõe trazer para a Europa dezenas de milhares de imigrantes que neste momento se encontram na Turquia, e, em menor medida, a Suécia, nenhum outro governo se arrisca a pregar uma flexibilização da emissão de vistos. Mesmo os partidos de esquerda radical se mostram discretos sobre o assunto, por medo de deturpar uma opinião reputada como excessivamente cautelosa em matéria de imigração.
Na França, desde os atentados de Paris, a ideia de que o fluxo dos migrantes ultrapassa as capacidades de acolhida nem sequer é discutida. No entanto, quando mal tinha se recuperado da crise de 1929 e se preparava para a guerra, a França acolheu entre 1936 e 1939 mais de 450 mil republicanos espanhóis. Esse êxodo não aconteceu sem suscitar certa hostilidade na população, mas os recém-chegados puderam contar com o apoio dos sindicatos e dos partidos políticos de esquerda que trabalharam por sua integração.
Quarenta anos depois, foi ainda no contexto de uma crise, provocada por dois choques petroleiros, que a França acolheu os boat people do Sudeste Asiático. Na época, alguns dos intelectuais franceses mais célebres, de Jean-Paul Sartre a Raymond Aron, se mobilizaram para salvar os refugiados bloqueados em embarcações no Mar da China. Cerca de 130 mil vietnamitas, cambojanos e laosianos receberam autorização para se instalar na França, mesmo não se adequando aos parâmetros fixados pela Convenção de Genebra. Em 2015, o presidente François Hollande se comprometeu a acolher 24 mil sírios em dois anos…
O governo de Raymond Barre não economizou esforços para favorecer a instalação desses imigrantes, que tinham, é verdade, o bom gosto de fugir de regimes comunistas: ele multiplicou os propósitos benevolentes, organizou sua chegada facilitando a emissão do status de refugiado, criou centros provisórios de hospedagem e os “comitês de acolhida” encarregados de dar assistência aos recém-chegados em seus procedimentos burocráticos cotidianos. Células especiais foram reservadas para eles na Agência Nacional para o Emprego (Anpe, futuro Polo Emprego) e medidas fiscais incitaram os empregadores a contratá-los. Essa política, fundada em uma forte mobilização estatal, teve diversas incidências: “Além de facilitar seus primeiros passos na França, ela participou na maneira como se deu o olhar sobre eles e legitimou sua chegada”, escreveu a socióloga Karine Meslin. “A qualidade dessa acolhida parece ter sido percebida como ajustada à qualidade intrínseca dos estrangeiros aos quais era destinada. Essa constatação lembra a importância das políticas de acolhida e dos discursos que acompanham a chegada dos novos migrantes.”15
Ao contrário, os refugiados atuais são apresentados como aproveitadores dos benefícios sociais que ameaçam a identidade nacional, como ladrões de emprego, extremistas religiosos, até mesmo terroristas potenciais. Eles chegam na maior desordem à Europa, onde nada está previsto para eles. As imagens desses milhares de pessoas que desembarcam nas costas gregas e italianas ou se espremem nas fronteiras húngaras e eslovenas provocam um sentimento de invasão. Com tal narrativa midiática, como se espantar que os investimentos em segurança seduzam os eleitores?
Benoît Bréville é jornalista e integra a redação do Le Monde Diplomatique França.