Venenos na agricultura: quem ganha com isso e como diminuir?
Ganha quem tem interesses financeiros em manter o agronegócio e a produção de patentes e insumos agropecuários. Em 2018, a campanha em defesa da lei pró-agrotóxicos, apoiada no Brasil pela bancada ruralista e pela frente parlamentar agropecuária – a mais coesa e representativa do Congresso, com 44% de deputados e 33% de senadores no momento – recebeu mais de R$ 350 mil de executivos ligados ao setor preparando-se para aprovar o Projeto de Lei do Veneno, que flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no país.
Entre janeiro e abril de 2019, o atual governo manteve sua posição eleitoral favorável aos interesses da bancada ruralista, escolheu sua presidente, a “musa do veneno” Teresa Cristina como ministra da Agricultura e já autorizou cerca de oitenta pesticidas – uma média de um por dia no período de três meses. As medidas decididas a “toque de caixa” liberam produtos proibidos em outros países, diminuem o grau de toxicidade de alguns agrotóxicos e favorecem empresas de diversos países. A reação de diferentes entidades preocupadas com a saúde pública como Abrasco, Fiocruz e Opas/OMS não convenceu a presidência da República, demonstrando as reais prioridades do governo e a baixa preocupação com a saúde dos brasileiros e com o meio ambiente.
Então, respondendo à questão acima, quem ganha mesmo são as multinacionais que vendem os venenos e estão satisfeitas com a flexibilização do mercado brasileiro. Parte do bolo envenenado é divido por políticos descomprometidos com a saúde pública que, ironicamente, junto de suas famílias, serão impactados com os venenos que liberam, uma vez que os mesmos não têm fronteiras sociais e contaminam as águas, os alimentos, os solos e o ar de todos os habitantes do planeta. Naturalmente, cada estrato social é afetado em intensidades diferentes, mas todos são atingidos em algum grau. Isso é uma insensatez humana inexplicável uma vez que não há dinheiro que consiga curar o câncer ou o autismo e essas doenças estão cada vez mais próximas de todos nós.
Vamos precisar de muita vontade política e intenso controle social para acompanhar a correta aplicaçãi da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. A relação entre agricultura e conservação do meio ambiente só vai funcionar se adotarmos práticas de agricultura sustentável; do contrário ela é uma relação incestuosa. Não pode ser aceita naturalmente já que os princípios do agronegócio, uma dinâmica de caráter econômico que não objetiva nem a soberania, nem a segurança alimentar e nutricional, não reverberam com as premissas da conservação ambiental e da promoção da saúde coletiva.
Outro âmbito que deve ser repensado diz respeito à promoção de princípios socioambientais universais. O Brasil é o maior consumidor global de pesticidas, que provêm de empresas de países que têm legislações mais rígidas para sua utilização. As companhias de agrotóxicos mais influentes instaladas no Brasil são: Syngenta/ ChemChina (Suíça/China); Bayer/ Monsanto, Basf (Alemanha); Dowchemical/ Dupont, FMC, UPL (EUA), Suitomo Chemical (Japão). Desde janeiro deste ano, o Brasil abriu suas portas para novos mercados de venenos agrícolas internacionais, como Israel e Austrália.
Muitas dessas empresas estão em sociedades que, de forma geral, têm maior controle de corrupção política, mais consciência ambiental e democrática e, consequentemente, maior poder de reação, de boicote às empresas e suas ações no mercado financeiro de forma a agir e pressionar as empresas locais em seus países e manifestar-se em nome dos países mais vulneráveis ecologicamente, cujas vozes são caladas pelos interesses das agendas globais do neoliberalismo. Esse conceito de democracia ecologicamente guiada sob princípios ecológicos universais problematiza a relação entre Estado-nação e cidadania. É urgente pensar em um único planeta quando pensamos no cuidado com o meio ambiente; não há fronteiras para a poluição e para a degradação ambiental, uma vez que o fora não existe.
A recente avalanche de processos judiciais contra a Bayer por conta das contaminações pelo glifosato configura-se em uma esperança de que o setor de agrotóxicos possa sofrer o mesmo grau de pressão regulatória e responsabilização por danos à saúde que as empresas de cigarro sofreram na década de 1980. Em março deste ano, as ações da Bayer caíram mais de 10% após casos de litígios que já envolvem 11 mil processos judiciais.
*Elaine de Azevedo é nutricionista e doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora em Sociologias da Saúde, Ambiental e da Alimentação.
Série – Agronegócio e agrotóxicos versus agricultura familiar e alimentos orgânicos
Produzida a partir de controvérsias que circulam na mídia pela professora da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora em Sociologias da Saúde, Ambiental e da Alimentação, Elaine de Azevedo, esta série pretende analisar as dimensões éticas, sociais, econômicas, políticas, ambientais e de saúde implícitas a esses dois sistemas agroalimentares que não encontram sintonia entre si porque têm diferentes objetivos que precisam ser compreendidos. Confira os artigos:
1 A agricultura orgânica e sua capacidade de produzir comida para alimentar a população mundial
2 “Agrotóxico não faz mal. A agricultura convencional é a responsável pelo aumento da longevidade e diminuição da fome no mundo”
3 “Alimento orgânico é uma questão de esquerda e é inacessível para a maior parte da população”
4 “O agronegócio é que produz comida”
5 Venenos na agricultura: quem ganha com isso e como diminuir?
6 “A qualidade do alimento orgânico é igual ao alimento convencional” (no ar a partir de 17 de maio de 2019)