Visto e escutado em Havana
No dia 19 de novembro, o Estado-Maior das Farc deu ordem a todas as suas estruturas de cessar qualquer operação ofensiva até o dia 20 de janeiro. Em um comunicado, pediu ao governo que fizesse o mesmo, para oferecer uma trégua aos colombianos. O pedido não só foi negado, como as operações militares se multiplicaramHernando Calvo Ospina
Diante do portão, vestidas de uniforme verde-oliva, quase sempre são mulheres que formam a guarda; e são poucas as que carregam arma na cintura. Ao redor do pequeno lago, veem-se várias casas, térreas em sua maioria, separadas por árvores e jardins. Rodeadas por muros altos, sem a presença notória de vigias, cercas elétricas ou câmeras de vigilância, essas construções formam o complexo residencial El Laguito, em Havana. É ali que o Estado cubano abriga personalidades internacionais. E é nesse local que estão hospedados os representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), por ocasião do diálogo com o governo colombiano.
El Laguito tornou-se uma obsessão para muitos dos sessenta correspondentes estrangeiros credenciados para cobrir as negociações. Querem entrevistar guerrilheiros e saber como vivem. Não conseguem, e inventam histórias sobre o suposto luxo que os rodeia. De fato, são casas modernas, mas a ostentação não é exatamente o que salta aos olhos. Por outro lado, é verdade, alguns combatentes têm a impressão de viver em um palácio, porque até então só conheciam as florestas, as montanhas e habitações humildes. “Tive um pouco de dificuldade em me adaptar e passar a noite trancado em um quarto, sem os barulhos do campo”, confessa o comandante Miguel Pascuas, um dos camponeses fundadores das Farc em 1964. “Nunca havia dormido em um colchão tão confortável”,1 acrescenta.
Mais conhecido sob o nome de Rodrigo Granda, membro do secretariado (a mais alta instância dirigente) e responsável pelo trabalho diplomático,2 o comandante Ricardo Téllez conta que as Farc recebem pedidos de entrevistas todos os dias. Os guerrilheiros se mostram reticentes, já que a maioria das solicitações vem dos grandes meios de comunicação colombianos: “Eles passam o tempo todo procurando a palavra que poderá causar um escândalo contra nós”, lamenta Granda. No dia 18 de outubro, durante a inauguração oficial dos diálogos em Oslo (Noruega), os dois principais canais de informação, CaracolTV e RCN, interromperam a transmissão do evento quando o comandante Iván Márquez, número dois das Farc e chefe de sua delegação, começou sua intervenção. A maioria dos colombianos escutou apenas o delegado do governo, Humberto de la Calle Lombana.
Cabeças a prêmio
Quando se diz aos guerrilheiros que eles representam uma verdadeira fortuna, eles lançam um olhar de incompreensão. Explicação: pela cabeça deles e de outros negociadores, os governos colombiano e norte-americano oferecem recompensas de US$ 500 mil a US$ 5 milhões. Mortos ou vivos, Márquez, Granda e Pascuas valem os “prêmios” mais altos. “Para poder vir a Cuba, depois a Oslo, o governo pediu à Interpol que retirasse os mandados de prisão lançados contra vários de nós. Dois dias após nosso retorno de Oslo, realizou-se o processo inverso. Apenas em Cuba e na Noruega esses mandados não são válidos! Você entende essa lógica?”
Para muitos, a oposição armada aceitou as negociações porque se sente próxima da derrota. “Fomos golpeados, mas golpeamos também. E apesar dos milhões e milhões de dólares que eles investiram em armamento e tecnologia de ponta, nós estamos presentes em quase todo o país”, replica Sandra Ramírez, viúva do dirigente histórico das Farc Manuel Marulanda. Contudo, a pertinência da luta armada não deve ser questionada em uma América Latina que assistiu à subida ao poder de vários governos de esquerda pela via eleitoral? Sentado sob uma árvore frondosa, Granda dá um trago em seu cigarro e responde: “Os que não conhecem a história do terrorismo de Estado na Colômbia não podem compreender por que a luta armada ainda persiste. Ela poderá ser justificada enquanto a oligarquia continuar se comportando de maneira intolerante e reprimindo violentamente, como em nenhuma outra parte no mundo, o menor sinal de inconformismo. Historicamente, cada projeto político ou social que busca disputar o poder é massacrado”.
Granda lembra como o presidente Juan Manuel Santos, recém-eleito, aceitou a proposta das Farc de buscar uma solução política para o conflito. O chefe de Estado mandou sua resposta à organização por intermédio de um de seus principais dirigentes, Jorge Briceño, de codinome Mono Jojoy, considerado pelo governo o “principal inimigo da Colômbia”. Santos propôs um diálogo sem publicidade, o que foi aceito pelos dirigentes da guerrilha. “Estávamos lá no dia 22 de setembro de 2010, quando 30 toneladas de bombas e mísseis caíram sobre o acampamento de Jojoy, sendo que sete desses artefatos atingiram precisamente o lugar onde ele dormia.” Vinte dias antes dessa “Operação Sodoma”, Briceño havia declarado em uma entrevista: “Não se termina [a guerra] com bombas, nem com mísseis ou aviões. A guerra acabará com reflexão, política e respostas às necessidades do povo”.
A outra face
Apesar de se esperar uma forte reação militar das Farc, a direção dos insurgentes persistiu no diálogo, com um comunicado moderado: “Não é pela via da exterminação do adversário que a Colômbia chegará à paz e à reconciliação. […] O único caminho é uma solução política e pacífica para o conflito social e armado interno”. A despeito da decisão do secretariado de seguir com os contatos, o presidente deu ordem para abater seus membros se eles não se rendessem. No dia 4 de novembro de 2011, o número um das Farc, Alfonso Cano, foi cercado por oitocentos soldados das forças especiais do Exército, apoiadas por aviões e helicópteros. Ele estava acompanhado de quatro homens e um cachorro. “Seu assassinato foi um golpe duro, mas decidimos manter a bandeira da paz e, coerentemente com nossas ideias, não interrompemos os encontros com os enviados do presidente”, admite Granda. Novo chefe das Farc, Timoleón Jiménez, de codinome Timochenko, dirigiu uma carta pública ao presidente que terminava com as seguintes palavras: “Você tomou o caminho errado, Santos”. A resposta foi a intensificação das operações militares.
“Não deixaremos a mesa de negociações, não interromperemos as discussões. Sabemos que vão nos provocar com agressões, encontrarão um pretexto, ou fabricarão um, mas continuaremos a insistir na necessidade de paz com justiça social, porque a paz não pode ser resumir ao silêncio dos fuzis”, assegura o comandante Márquez.
No dia 19 de novembro, o Estado-Maior das Farc deu ordem a todas as suas estruturas de cessar qualquer operação ofensiva até o dia 20 de janeiro. Em um comunicado, pediu ao governo que fizesse o mesmo, para oferecer uma trégua de Natal aos colombianos. O pedido não só foi negado, como as operações militares se multiplicaram. Ao mesmo tempo, o delegado Lombana não parou de repetir: “O modelo econômico não será colocado em questão, nem a doutrina militar ou os investimentos estrangeiros…”.
Hernando Calvo Ospina é jornalista.