A rivalidade esportiva e política entre Roma e Lazio
O tema da histórica rivalidade entre os clubes retornou aos noticiários quando um sobrenome conhecido figurou entre os contratos assinados na Lazio: Romano Floriani Mussolini, bisneto do ex-ditador fascista Benito Mussolini
Conhecido como Derby della Capitale, os times Roma e Lazio protagonizam um dos clássicos do futebol italiano que transcendem os muros do esporte, envolvendo paixão, história e política. Enquanto os adeptos da Roma são em sua maioria provenientes das camadas populares e subúrbios da capital, a torcida da Lazio possui maioria concentrada nos bairros ricos da capital italiana. Além disso, historicamente a Lazio tem marcada em sua trajetória a associação ao fascismo, virando símbolo do neonazismo em terras italianas, que até os dias atuais fica explícito quando alguns de seus torcedores protestam contra a contratação de jogadores de origem judaica ou negros. Os irriducibili, como são conhecidos os pertencentes da torcida organizada da Lazio, despertam a antipatia dos avessos ao ultrarradicalismo, mas também a curiosidade de quem flerta com ideais autoritários.
O Stadio Olimpico di Roma é a casa dos dois clubes de maiores torcidas da capital italiana, não somente como símbolo de pertencimento e identidade, mas de disputa por hegemonia e poder. Quando o assunto é o famoso clássico, cada particularidade envolvida na rivalidade não pode ser deixada de lado: desde as cores ostentadas pelos clubes (vermelho e amarelo pela Roma, conhecida como i giallorossi; azul e branco pela Lazio, conhecida como i biancocelesti) -, até mesmo a disposição das torcidas no próprio estádio: a Curva Nord, ocupada pela Lazio, em referência ao norte italiano – historicamente desenvolvido economicamente e industrializado – e a Curva Sud, ocupada pela Roma, em referência ao sul da península – conhecido pelo subdesenvolvimento econômico e pelo preconceito social.
O tema da histórica rivalidade entre os clubes retornou aos noticiários quando há poucos meses um sobrenome conhecido figurou entre os contratos profissionais assinados na Lazio: Romano Floriani Mussolini, bisneto do ex-ditador fascista Benito Mussolini. Com 20 anos, Romano Floriani vem chamando a atenção na Itália, mas até o momento não é sua participação na zaga o motivo principal. Na relação dos jogos prefere ser identificado pelo sobrenome Floriani, provindo do pai, mas sua descendência direta com ex-líder fascista aflora os ultrarradicais adeptos da Lazio, que exaltam a participação de um “herdeiro fascista” no time.
Um dos casos de maior repercussão na mídia internacional no clássico, envolvendo questões de radicalismo político e ideológico, aconteceu na temporada 1998/1999, quando os Ultras da Lazio estenderam uma faixa, durante uma partida contra a Roma, contendo a seguinte frase: Auschwitz la vostra patria, i forni le vostre case. (Auschwitz vossa Pátria, os fornos nossa casa). Um ocorrido mais recente de 2017, segundo a agência EFE, identificou torcedores da Ultra Irridubili da Lazio usando uma foto de Anne Frank – conhecida adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto – com a camisa da Roma, contendo insultos antissemitas em uma partida contra o Cagliari, pelo Campeonato Italiano.
Em contrapartida, mesmo com o histórico de ter sido projetado para ser um clube que reunisse símbolos que representasse os valores fascistas, a Associazione Sportiva Roma passou a ser vista como um clube de esquerda graças a organização de seus torcedores, em protesto à Lazio. Em sua gênese, o clube giallorossi foi formado por trabalhadores urbanos e pela classe operária, e toda construção da identidade do clube passou por uma reformulação, que se deu por meio da participação popular.
Assim como o lado “vermelho” da capital, outro time italiano bastante engajado politicamente é o AS Livorno Calcio, historicamente ligado com a “esquerda” desde o início do século XX. Além de ter sido a cidade onde o grupo liderado por Antonio Gramsci criou o Partido Comunista Italiano (PCI), a esquadra da cidade foi fortemente influenciada pelos anos de oposição ao governo fascista de Benito Mussolini, inclusive aderindo à música “Bella Ciao” – hino de resistência invocado pelos partizani e cidadãos comuns que não concordavam com o regime fascista – como canto principal de sua torcida.
O esporte é uma extensão da sociedade. Ou seja, se há racismo, xenofobia, homofobia, radicalismo político e ultra-nacionalismo fora do estádio, a probabilidade de ter no estádio, manifestado pela torcida e expectadores, é grande. Se o fascismo na Itália se utilizou do esporte – em especial o futebol, esporte mais popular no país – para se promover e enaltecer seu regime, é importante lembrar das intensas e perseverantes oposições provindas de grupos que se manifestaram também no esporte.
O Derby della Capitale é prova de que futebol e política devem ser discutidos e se misturam.
Railson Barboza é bacharel em Filosofia (PUC-Rio), doutorando e mestre em Política Social (UFF).