A simbologia de Garibaldi, o “herói de dois mundos”
Contraditoriamente, o berço que acolheu Garibaldi hoje se encontra imerso no obscurantismo político e no radicalismo. Será que a Itália um dia voltará às raízes revolucionárias e anti-imperialistas?
No dia 2 de junho de 1882 falecia o histórico líder Giuseppe Garibaldi, em sua casa na ilha de Caprera, ao norte da Sardenha, na Itália, contrastando com sua agitada vida em campos de batalhas. Fortemente conhecido na região sul do Brasil, onde deixou uma vasta história de luta contra o governo imperial do Brasil, seu nome se tornou sinônimo de resistência e fidelidade aos ideais.
Nascido em Nizza (atual Nice, na França) em 1807, desde cedo apresentava sinais de vitalidade impressionantes, bem como uma inclinação natural ao estudo do mar e das ações. Aos 15 anos, o jovem Giuseppe escolheu a vida de marinheiro e embarcou como garoto de cabine num navio com destino a Odessa.
Durante repetidas viagens, teve contato com um membro da La Giovine Italia, fundada por Giuseppe Mazzini, e com alguns seguidores de Claude-Henri Saint-Simon, considerado um dos fundadores do socialismo moderno e teórico do socialismo utópico. O jovem Garibaldi ficou fascinado pelos ideais nacionalistas, democráticos, republicanos e revolucionários, encontrando, no contexto vivido na Itália, a oportunidade de marcar sua história e a do seu povo. Sua formação humana – bem como os contatos que a vida revolucionária lhe proporcionou – moldou o jovem carregado de vitalidade e bravura, orientando seus passos, suas escolhas e suas decisões, baseando-se na concepção de que a liberdade da pátria era um valor universal a ser defendido mesmo quando estava em jogo não apenas a própria vida, mas a dos outros.
Os princípios revolucionários permearam as decisões de Garibaldi, que não restringiu seu campo de atuação às suas origens geográficas: o revolucionário chegou a terras que ainda não viviam posturas de enfrentamento ao modus operandi político e econômico vigente, no Brasil e no Uruguai. Sua atuação marcou não somente uma geração, mas criou uma cultura que se tornou popular, através dos ideais de não-submissão ao governo monárquico vigente no Brasil.
No Uruguai, além de ter participado da marinha nacional e de momentos marcantes de ocupações e batalhas, casou-se com uma das mulheres mais conhecidas do final do século XIX: Anita Garibaldi. À frente de seu tempo, Anita revelava bravura ao não renunciar os ideais revolucionários mesmo enquanto casada com um partidário imperial, razão pela qual saiu de casa, não aceitando as condições submetidas pela sociedade da época. Giuseppe e Anita, portanto, foram aliados e companheiros de revolução, nutrindo admiração e carinho recíprocos, atestados pela forte entrega de ambos, tanto no combate às tropas imperiais quanto na construção de uma vida conjugal.
As façanhas de Giuseppe ficaram famosas na Itália graças ao seu companheiro e compatriota Angelo Raffaele Lacarenza, que fez circular em todo território italiano milhares de cópias do “Decreto de Graça e Honra”, concedido pelo governo uruguaio aos cidadãos italianos. Sua vida foi dedicada à luta pela libertação de seu país do domínio estrangeiro – que já fora apontada como fator primordial no enfraquecimento da península itálica, como Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreveu em sua famosa obra “O Príncipe” –, motivo pelo qual o personagem buscou “mares mais profundos”, até chegar ao Brasil. Isso tudo construiu seu legado e reconhecimento não somente na Itália, mas em todo mundo. Há navios da marinha italiana que receberam seu nome, porta-aviões, estátuas e bustos em sua homenagem pelo mundo, além de praças, comunas, ruas e cidades, inclusive no Brasil.

A simbologia de Giuseppe Garibaldi não se restringe ao partidarismo político, através de uma ideologia professa precisamente. Em um contexto histórico marcado pelo florescimento de muitos ideais políticos, não houve abertamente uma escolha ou pronunciamento, mas, por suas ações e discursos, notamos suas inclinações ideológicas: ataques públicos ao clericalismo institucional, ao conservadorismo, ao absolutismo e a qualquer ordem social baseada na injustiça e na violência. Abolicionista, pôs essa a condição para aceitar a oferta de Abraham Lincoln, então presidente dos Estados Unidos, de chefiar o comando das forças do norte, que obviamente não se concretizou.
Suas palavras num congresso em Genebra refletiram sua postura firme contra as diversas formas de autoritarismo da época: “Não queremos derrubar monarquias para fundar repúblicas, mas queremos destruir o absolutismo para fundar em suas ruínas a liberdade e o direito”. Giuseppe tornou-se não somente um pilar inabalável da retórica patriótica italiana, mas um símbolo de inquietação e resistência contra forças opressoras no mundo todo. Seu nome aparece em segundo lugar nas listas de nomes de ruas e praças mais comuns da Itália.
Contraditoriamente, o berço que acolheu Garibaldi e foi motivo de sua preocupação pela unificação, hoje se encontra imerso no obscurantismo político e no radicalismo. Será que a Itália um dia voltará às raízes revolucionárias e anti-imperialistas?
Railson Barboza é Bacharel em Filosofia (PUC-Rio) e Doutorando em Política Social (UFF)