Classe trabalhadora vulnerável e precarizada abre espaço para discurso fácil da extrema direita
Parece que a forma de arrefecer a polarização e barrar o avanço da extrema direita é via garantia de direitos e bem-estar da classe trabalhadora
Apesar do que se propaga nos veículos tradicionais, a “polarização” não é uma novidade no Brasil. André Singer (professor da USP) em um artigo de 2021 mostra em gráficos a evolução desde 1985 até 2020 de dois indicadores: intenção de voto dos candidatos do PSDB e PT; e autodeclaração de direita versus esquerda. O que esses indicadores mostram como padrão nos 40 anos de Nova República? Justamente, a polarização.
O período que saiu do “padrão” foi dos governos Lula 2 e Dilma 1 (2006-2014), quando houve um aumento significativo da parcela do eleitorado que não declarava resposta ou de dizia de Centro. Singer conclui que, nesses oito anos do auge do “lulismo”, houve uma tendência do que ele chama de desativação das predisposições ideológicas. Ou seja, a sensação de bem-estar proporcionada pelas políticas públicas (políticas de valorização do salário-mínimo, emprego, entre outras) despolarizou a disputa política. Coube a Bolsonaro (num contexto ainda de crise econômico-político-social), com uma postura radical, reativar o conservadorismo na eleição de 2018.
Neste sentido, a novidade nos últimos pleitos eleitorais não é a “polarização”, em geral, mas sim a substituição da direita PSDB por uma extrema direita com traços autocráticos – o bolsonarismo. O PSDB, que em 1998 tinha 99 deputados na Câmara Federal, em 2022 elegeu apenas 13 (mesmo número de deputados de PSOL, Podemos, PSB). Quem tem 99 deputados, hoje, é o PL de Bolsonaro.
A radicalização da direita não é um fenômeno nacional, mas marca a política de países da América Latina, EUA e Europa. Trump ocupou o Partido Republicano. Milei atropelou Macri. O que ajuda a explicar isso?
É difícil entender os fenômenos políticos e eleitorais sem olhar para economia e para a situação da classe trabalhadora. O que os dados evidenciam? Dados da OXFAM (Pesquisa Retrato das Desigualdades, 2024) mostram uma tendência de extra concentração de riqueza. Se tem alguns muito ricos de um lado, tem muitos muito pobres de outro. No Brasil, 63% da riqueza está nas mãos de 1% da população; 50% dos mais pobres possuem apenas 2% da riqueza. No mundo, enquanto 5 bilhões ficaram mais pobres depois da pandemia, 5 homens mais ricos dobraram sua fortuna.
Como está a situação da classe trabalhadora? Insegura e adoecida. Pesquisa publicada pelo CASB (Centro de Análise da Sociedade Brasileira, parceria entre as Fundações do PT, PSOl, PCdo B e Die Link alemão), em agosto de 2024, revela uma situação de precarização e insegurança financeira por parte da classe trabalhadora, que se preocupa com sua saúde e com sua renda. quatro em cada dez trabalhadores se sentem sob riscos psicológicos, e um a cada três teme por sua integridade física. Há insatisfação com a renda para 51% da amostra. Nesse sentido, 64% veem como principal ponto negativo no trabalho por conta própria o risco de ficar incapacitado e sem renda.
Além disso, dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostram que ter um trabalho não é mais sinônimo de estar fora da linha de pobreza. Ou seja, dado o alto custo de vida, a desproteção social e os baixos salários, cidadãos com trabalho podem estar abaixo da linha da pobreza, sem conseguir garantir o mínimo para si e sua família.
Soma-se a isso a sensação de vulnerabilidade diante das mudanças climáticas (queimadas, enchentes e outros desastres cada vez mais recorrentes) – o que dá contornos ainda mais dramáticos para uma perspectiva de futuro já pouco otimista.
Cria-se, assim, um terreno fértil para o avanço de figuras de extrema direita com saídas individualistas e de ódio. Coachs sem compromisso com a verdade e com a democracia, sem projeto de país ou de povo.
Assim como no auge da aprovação dos governos petista, parece que a forma de arrefecer a polarização e barrar o avanço da extrema direita é via garantia de direitos e bem-estar da classe trabalhadora – que também apresenta novidades e novas demandas. Mas isso fica para outro artigo.
Jordana Dias Pereira é Socióloga, Coordenadora do Núcleo de Opinião Pública Pesquisas e Estudos da Fundação Perseu Abramo.