O Brasil precisa dar centralidade ao BRICS
O BRICS é um espaço estratégico para o Sul Global em uma ordem internacional cada vez mais polarizada, e neste ano, o combate às mudanças climáticas e o processo de transição energética são temas que irão conectar esse grupo de países à COP30
Após a presidência do G20, o Brasil entra em 2025 no comando do BRICS e da COP30. Enquanto a COP30 será sediada em Belém do Pará, em novembro, o BRICS acontecerá em julho, no Rio de Janeiro. Com seu papel geopolítico, o BRICS representa um grande desafio, mas também uma oportunidade para o Brasil, diante do novo mandato de Donald Trump nos EUA. O atual presidente americano anunciou que pretende retaliar o BRICS com tarifas e sanções, caso o grupo tome medidas para “desdolarizar”.

Sandton Convention Centre, Joanesburgo na África do Sul.
Crédito: Ricardo Stuckert/PR
Diante disso, o Brasil precisa dar centralidade ao BRICS. Ele não deve ser visto como um mero intermediário entre os espaços globais do G20 e da COP30. Ao contrário, é um agrupamento estratégico criado há mais de 15 anos, do qual o Brasil é o membro fundador. Também não se trata apenas de auspiciar um grande evento internacional, mas de liderar um processo de negociação que envolve agendas fundamentais para a inserção internacional do Brasil e do Sul Global.
Criado no contexto da crise financeira global de 2008 por Brasil, China, Rússia e Índia, as economias do então BRIC cresciam a altas taxas, e a China demonstrava potencial industrial e tecnológico para se tornar um novo polo de poder global. Como grupo, eles reivindicavam mais voz e participação nas instituições financeiras internacionais, especialmente no Fundo Monetário Internacional. Em 2011, o BRIC passou a ser BRICS com a incorporação da África do Sul, tornando-se um grupo representativo das regiões em desenvolvimento.
Diante da relutância das potências ocidentais em reformar as instituições existentes, a agenda reformista do BRICS foi se transformando. Em 2014, foram criados o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (NDB) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, liderado pela China. Naquele mesmo ano, a Rússia ocupou a Crimeia, gerando tensões com os países do G7. A primeira eleição de Trump nos EUA, em 2016, iniciou um período de tensões contra a China, marcadas pela contenção tecnológica do país asiático. Com a guerra na Ucrânia em 2022 e as novas sanções econômicas contra a Rússia, o BRICS passou a ser visto como um agrupamento geopolítico. Desde então, um número cada vez maior de países formalizou sua candidatura para integrar o grupo. Em 2024, foram incorporados quatro novos membros plenos – Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã – e outros 13 novos parceiros estratégicos. Em 2025, a entrada da Indonésia como membro pleno marca a primeira medida da presidência brasileira dos BRICS.
O Brasil tem grandes oportunidades e desafios. Primeiro, a incorporação efetiva dos novos membros em um espaço onde as decisões são tomadas por consenso. O BRICS é muito heterogêneo, tendo a China como uma potência mundial dentro do bloco. Como os novos membros participarão dos grupos técnicos de trabalho e dos mecanismos comuns de cooperação ainda está em aberto. Há desafios econômicos, como o endividamento de países como a Etiópia, o Egito e a África do Sul, assim como desafios políticos, como o tema dos direitos de gênero no Irã. Tudo isso precisará ser coordenado pela presidência brasileira nos BRICS. A entrada da Indonésia soma positivamente ao bloco, destacando-se como um país com boas relações com o Ocidente e significativo em termos populacionais e econômicos. Esse movimento resgata o legado da Conferência de Bandung e do Movimento dos Não-Alinhados, que completa 70 anos em 2025, e sua busca por autonomia estratégica e multilateralismo.
A diminuição da dependência do dólar se tornou uma agenda fundamental nos últimos anos para o BRICS, como uma aliança geopolítica. Como emissor e garantidor da integridade da moeda global, os EUA se mantêm uma potência hegemônica, enquanto a China é a principal detentora de dólares fora dos Estados Unidos. “Desdolarizar” as transações globais não é um processo simples, pois os países teriam que ter garantias em outras moedas que pudessem substituir o dólar. O yuan chinês ainda não é capaz de se tornar uma moeda global, uma vez que o mercado chinês é fechado e o fluxo de transações financeiras é controlado. Nesse sentido, os BRICS e a China vêm avançando em circuitos menores, como o uso de moedas locais para financiar o crédito e o comércio de forma bilateral, o desconto entre bancos centrais e a possibilidade de empréstimo em moedas locais pelo Banco dos BRICS. Tudo isso ainda é muito limitado, mas cresceu como consequência das sanções contra a Rússia, que excluíram o país dos circuitos de transações financeiras tradicionais. Em 2024, a Rússia avançou com propostas de criação de infraestruturas financeiras para aumentar o uso de moedas locais, o que exigirá mais coordenação entre os bancos centrais dos BRICS e outras agências. A presidência brasileira precisa progredir com as propostas que demandarão capacidade técnica e financeira de todos os países do BRICS. A volta de Donald Trump à presidência dos EUA imporá mais obstáculos a esse avanço, o que faz com que o BRICS precise melhorar a coordenação política e técnica para não deixar suas economias expostas a ataques especulativos ou sanções financeiras, como aquelas sofridas por Irã e Rússia.
Por fim, o combate às mudanças climáticas e o processo de transição energética são temas que irão conectar o BRICS à COP30. O BRICS Plus inclui grandes produtores de petróleo e gás, como Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Rússia, enquanto a África do Sul tem sua matriz energética baseada no carvão. Por sua vez, a China vem despontando como potência em inovação em energia solar, eólica e em carros elétricos. No Brasil, os investimentos chineses e projetos financiados pelo NDB foram direcionados para a geração de energia com menos carbono nos últimos anos. No entanto, alguns desses projetos causaram novos impactos sociais e ambientais nos territórios onde foram implementados: comunidades quilombolas tiveram seus direitos desrespeitados e foram deslocadas de suas terras, populações e animais sofrem com o ruído excessivo das turbinas e outras alterações causadas no meio ambiente. Os estados do Piauí e Ceará foram particularmente afetados. O NDB vem buscando aprimorar o monitoramento e a avaliação dos projetos, considerando os direitos humanos, ambientais e de gênero. O Brasil é reconhecido internacionalmente por seu papel nas negociações sobre clima e energia e precisa aproveitar a transição verde para aumentar os investimentos em inovação tecnológica e garantir que ela seja justa, inclusiva e participativa junto às comunidades diretamente impactadas.
O BRICS é um espaço estratégico para o Sul Global em uma ordem internacional cada vez mais polarizada. O Brasil não pode deixar esta oportunidade passar desapercebida.
Marta Fernandez é professora de Relações Internacionais da PUC-Rio e diretora do BRICS Policy Center
Ana Garcia é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pesquisadora do BRICS Policy Center.