O Julho é das Pretas, mas o protagonismo é da Barbie!
Como o mês reconhecido como Julho das Pretas foi tomado por uma onda rosa, tão contundentemente branca?
Primeiramente, e antes de mais nada, este não é um artigo maniqueísta, ou seja, não pretendo dizer aqui que o filme Barbie é ruim e nem nada similar. Embora eu ainda não tenha assistido, amigos e colegas próximos disseram que o filme é bom, atual, cheio de empoderamento e conteúdo, e eu acredito que seja verdade. Inclusive, em algum momento assistirei, não no furor do lançamento atual, mas em qualquer momento em que esteja procurando um entretenimento para descontrair.
Contudo, o que eu quero trazer aqui nesta conversa e que realmente considero uma reflexão essencial, é o seguinte questionamento: como o mês reconhecido como Julho das Pretas, em razão do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha (25/07) – em que se esperava que tivéssemos uma grande onda de diálogos, protagonismo negro e conversas, em que seria possível debater sobre os 29% da população brasileira (mulheres negras) que seguem à margem das melhores posições nas empresas e na sociedade –, foi tomado por uma onda rosa, tão contundentemente branca?
Há quem diga: “Liliane, mas existem Barbies negras”. É verdade, de alguns anos para cá, temos visto Barbies negras, transgêneras, gordas, com deficiência…, e isto é muito bacana e me deixa feliz. Entretanto, sejamos honestos, como é, ainda hoje, a imagem icônica da Barbie, enaltecida socialmente, marco de vendas e impressa em nosso subconsciente? Uma boneca que faz alusão a uma mulher loira, magra, sem deficiência, hetero, cisgênero e com alto poder aquisitivo. Estou falando de uma boneca que, além de não me representar na infância e na adolescência, não tive sequer a oportunidade de ter. Tive bonecas similares e genéricas, mas uma Barbie original estava totalmente fora da minha realidade e certamente de tantas outras meninas brasileiras. As mulheres negras nascidas na década de 1980 fatalmente vão corroborar esse ponto.
Sem demérito nenhum à Ruth Handler, que fundou a Mattel em 1945 – aliás, para mim, um símbolo muito bacana sobre protagonismo e empoderamento feminino no mundo corporativo. O que me chama a atenção e até me consterna como mulher negra, embora eu reconheça que possivelmente a data de lançamento do filme seja um infortúnio, é saber que neste 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha – no qual eu gostaria de ver maior intensidade nos debates da interseccionalidade de gênero e raça, a beleza e intelectualidade da mulher negra sendo enaltecida, em um país que é marcado por cerca de quatrocentos anos de escravidão, o último das Américas a aboli-la, e onde também mulheres negras são apenas 3% da liderança das empresas –, lamentavelmente, tudo o que tenho visto é inversamente proporcional a isso: o arquétipo da estética da mulher que, há tantos anos, já tem sido homogênea na narrativa do que é ser mulher em nossa sociedade.
Este Julho das Pretas foi aquém do que deveria ser. E um dos motivos talvez seja o fato do mulherismo, do movimento negro liderado por mulheres, das narrativas das pretas, muito provavelmente, não ter sequer 1% do investimento em comunicação e publicidade que o filme da Barbie teve no Brasil e no mundo.
Por isso, meu desejo, neste 25 de julho, é que nos próximos anos todas as empresas e agências que tanto falam sobre diversidade e inclusão, talvez até numa perspectiva do termo que registrei e cunhei, o Diversitywashing, se empenhem da mesma forma para criar narrativas, projetos, serviços, produtos e empresas de mulheres negras, como neste ano fizeram com a Barbie.
Liliane Rocha é mestre em Políticas Públicas pela FGV, CEO e fundadora da Gestão Kairós e conselheira de diversidade.