Os fenômenos da reta final das eleições 2024: as apostas e a violência político-eleitoral
A democracia não deve cair nas mãos das casas de apostas. Da mesma forma, a violência eleitoral precisa sair do noticiário. A falta de civilidade atingiu níveis alarmantes
Esta semana, o Tribunal Superior Eleitoral precisou intervir na indústria de jogos de azar. Um leitor mais desatento pode achar absurda a informação, mas sim: no Brasil de 2024, ainda não temos carros voadores, mas temos diversos sites de apostas oferecendo, a quem quiser se arriscar, a possibilidade de fazer uma “fezinha” sobre quem será o prefeito ou prefeita que logrará êxito no pleito.
O TSE agiu corretamente ao caracterizar como ilícito eleitoral a prática de vincular a votação a apostas, seja por quem for, seja como for. Eleição costuma ser coisa séria e, convenhamos, a democracia não deve se atrelar a jogos de azar. Na verdade, a nova cultura de apostas no Brasil começa a mostrar suas rachaduras.
Tudo começou em 2018, quando o governo Temer iniciou a legalização das apostas esportivas. Desde então, mais de 500 empresas passaram a operar no mercado. Em 2023, aproximadamente 15% dos brasileiros apostavam com regularidade, com gastos entre 100 e 150 bilhões de reais, segundo estudo do Santander. No campo das apostas esportivas, o Brasil hoje é o país com mais apostadores do planeta, segundo a Similarweb.
Na economia, formou-se uma bomba: aproximadamente entre 40 e 50 bilhões de reais, antes destinados a bens e serviços, agora viraram aposta. Admitir que há pessoas que deixam de comprar comida ou que o Bolsa Família tem sido usado para apostas revela um cenário ainda mais sombrio.
A democracia não deve cair nas mãos das casas de apostas. Da mesma forma, a violência eleitoral precisa sair do noticiário. A falta de civilidade atingiu níveis alarmantes. Para tentar conter essa selvageria, os Tribunais Regionais Eleitorais e outros órgãos competentes foram oficiados pela Ministra Cármen Lúcia a priorizar casos de agressão até o segundo turno.
A polarização política, que também se intensificou em 2018, assim como a liberação das apostas, tem manchado, pleito após pleito, as eleições brasileiras. O jeito de fazer política no país mudou. A animosidade e o “nós contra eles” assumiram contornos perigosamente afetivos. Há dois tipos de polarização: uma que aumenta o interesse e o engajamento político-ideológico, e outra, marcada pela desafeição entre grupos rivais, como explicam Iyengar, Sood e Lelkes.
Estamos inundados por apostas e polarização afetiva. Embora a Ciência Política nacional ainda tenha dificuldades em capturar as nuances da polarização no país e que, no campo das apostas, alguns defendam que o jogo pagará impostos e gerará lucros ao Estado maiores que os prejuízos. Mas quem apostará nisso?
Pergunta-se também: será que a humanidade mantém os vícios ou são os vícios que mantêm a humanidade? Saber que o homem é propenso aos prazeres e às maleficências de sua própria natureza não é novidade nos bilhões de anos do planeta Terra. O cérebro, a dopamina e os inúmeros prazeres que tiram a rotina dos eixos estão aí, mas deixo aqui os ensinamentos socráticos de que “louváveis são as coisas belas, censuráveis as vergonhosas. E consideram-se as virtudes entre as coisas belas, e entre as vergonhosas, os vícios.”
Luísa Leite é advogada eleitoralista e mestranda em Ciência Política (UFPE). Pós-Graduada em Direito Público pela Escola Superior Magistratura de Pernambuco e em Direito Eleitoral pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.