O discurso político de Alckmin: Fazer o Brasil crescer
No quinto texto da série A análise dos discursos dos candidatos, produzida pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), os discursos da presidenciável Geraldo Alckmin: Busca aproximar-se do eleitorado acionando sempre sua história política, atuação em São Paulo, e as noções de legitimidade e respeito à coisa pública. Tentando ainda aproximar-se dos eleitores que não compõem a elite brasileira, além das características de sua forma de governar, ele insere como características pessoais em seu discurso o fato de ser “interiorano” e se diz “do povo”
Este artigo propõe uma análise sobre os elementos que compõem o discurso[2] de Geraldo Alckmin, homem, branco, 65 anos, nascido em Pindamonhangaba, médico, e possui mais de quarenta anos de vida pública enquanto ocupante de cargos políticos, cujo último foi o de governador de São Paulo, eleito em 2014.

O presidenciável, cuja a vice é Ana Amélia, senadora do Partido Progressista (PP), é candidato à presidência do Brasil no pleito de 2018 pelo PSDB – situa-se, em suas próprias palavras, como político de centro-esquerda – em coligação com o PTB e os partidos que conformam o “centrão” PP, PR, DEM, PRB e SD, e fazem parte também da base de sustentação do governo Temer.
Durante seu apelo político Alckmin procura construir uma auto-identidade que articula ser o candidato “da mudança”, “do novo”, com a de um “político experiente e ético”, e que jamais se beneficiou da coisa pública em prol de enriquecimento pessoal. Para tanto, aciona diversas vezes suas gestões anteriores em São Paulo como exemplos de governabilidade e enumera seus bens após suas passagens por esses cargos: “Não tenho nada. 40 anos de vida pública e não tenho nada. Isso é a minha vida. Isso é ética. Isso é obrigação. Eu não vou sair por aí pregando: Eu sou o mais honesto do mundo. Isso é obrigação”[3].
Porém, apesar de seus anos de vida pública e sua trajetória, incluindo as diversas vitorias nos pleitos de São Paulo, Alckmin em algumas ocasiões das entrevistas teve de se explicar sobre o favoritismo de outros presidenciáveis em detrimento de sua candidatura, até mesmo no estado supracitado onde governou por mais de uma vez. Como justificativa para o baixo apoio popular à sua candidatura, ele argumenta que não se deve considerar as pesquisas de intenção de voto, pois os cenários são instáveis: “as eleições mudam. Rejeição baixíssima. Tiro 20, 30 selfies em cada viagem”, […] “ninguém vai chegar à presidência da república com sombra e água fresca; a coroa de louros só vai pra frente dos que esposam a coroa de espinhos”.
Apesar do que dizem seus críticos, que ele é o representante do “establishment” neoliberal e não se perturba quando diz que São Paulo, com ele, venceu a crise hídrica ou que detrás da pregação de homem do diálogo está o governador que autorizou reprimir manifestações como as de 2013 ou dos secundaristas em 2015[4], Alckmin nega ser candidato da tradicional política, do “establishment” neoliberal, e se autointitula: “Sou o candidato da mudança”[5]. Alckmin busca aproximar-se do eleitorado acionando sempre sua história política, atuação em São Paulo, e as noções de legitimidade e respeito à coisa pública. Tentando ainda aproximar-se dos eleitores que não compõem a elite brasileira, além das características de sua forma de governar, ele insere como características pessoais em seu discurso o fato de ser “interiorano” e se diz “do povo”: “Não sou filho da dinastia política e nem da fortuna pessoal. Sou do povo, lá desde o interior de São Paulo até hoje. Sempre [eleito] pelo voto popular”[6].
No discurso de Alckmin é possível reconstruir três marcos[7] específicos. No primeiro deles, o marco do diagnóstico, se identifica como principal problema que assola “o povo brasileiro” a “estagnação econômica do país” associada a “uma crise de legitimidade dos três poderes: executivo, legislativo e judiciário”. As injustiças que se destacam como efeito destes problemas são a falta de renda, o fato da carga tributária ser diferenciada, o desemprego, e em geral, o aumento da injustiça social.
A partir do seu diagnóstico delineia-se também o segundo marco, o prognóstico. Neste marco se traça a fronteira entre o “Nós” – o povo, “o coletivo que é órfão todo dia no Brasil” – desencantado e sem esperança, aqueles que necessitam de emprego, renda e saúde, em antagonismo aos outros, o “Eles” – os “demagogos” e o “corporativismo” – a classe política representando a velha forma de governar.
A identidade política do “nós”, se dá sob uma articulação de significantes numa cadeia de equivalências[8] que inclui o “verdadeiro”, “ético”, “não fazer espetáculo”, “experiência”, “destemido (enfrentar o corporativismo estatal e privado)”, “respeito à coisa pública”, “o novo (defensor do coletivo)”, “abertura comercial”, “diálogo e convencimento como bom caminho para resolver os problemas”, “povo” e “interiorano”. Alckmin ressalta que há uma tendência no Brasil em afirmar que todos os políticos são iguais, autodeclarando-se como o candidato que vai executar o que classifica como “a boa política”, como o “candidato da mudança”, alguém que “faz”, “investe”, representante do “novo”, pois diferente daqueles que estiveram à frente do País, “o novo é defender o interesse coletivo, dona Maria, seu José… O interesse coletivo, […] órfão no Brasil todo dia. Eu vou enfrentar as corporações, corporações. Vou enfrentar tanto públicas quanto privadas, tocar o dedo na ferida. Não minto para as pessoas. Vou fazer reforma tributária, previdenciária, reforma de Estado, reforma política. Eu não me escondo. Eu sou verdadeiro”[9]. Segundo ele, defenderá os interesses coletivos, enfrentará as corporações que cooptaram o Brasil: “O Brasil foi cooptado pelo corporativismo. Corporativismo estatal – as grandes estruturas de Estado, os poderosos. E corporativismo privado”[10].
Considerando ainda que a construção das identidades políticas se dão em oposição, através de pares antagonistas na fronteira estabelecida, o Eles, representando a estagnação, o desencanto e a desesperança, está articulado a “demagogos que só falam”; “o PT”; o antigo; os que não enfrentam “o corporativismo que cooptou o Brasil”; “o populismo” como o “da Venezuela”; a ausência de acordos, pois “no Brasil em 18 anos apenas 3 acordos comerciais foram feitos… Ficaram no viés ideológico”; os defensores do governo empresário; “a bala” enquanto um mau caminho para resolver os problemas, “as dinastias políticas”.
A distinção entre os atributos do “Nós” e “Eles” no discurso é clara. Porém, o candidato tem sido frequentemente questionado se vários dos atributos do “Nós” realmente se aplicam ao conjunto de partidos e grupos que o apoiam. Por exemplo, ao tratar sobre corrupção em entrevista no Jornal Nacional do dia 29 de agosto de 2018, quando questionado pelos entrevistadores sobre suas alianças com partidos do centrão nessa campanha, que segundo os jornalistas, “os críticos acusam [alguns partidos] de fazer o famoso toma lá dá cá; partidos esses que tem 41 investigados pela Lava Jato”, o candidato disse que “política é uma atividade essencialmente ética. Quem não tem compromisso com a ética tem que estar fora da política”[11]. E continua: “Todos os partidos têm bons quadros, então fui buscar no Progressista, que é um dos partidos que nos apoiam, a mais respeitada mulher, senadora da republica, Ana Amélia. Nós temos bons quadros em vários partidos e precisamos ter maioria para fazer as mudanças que o Brasil precisa. Quem prometer mudanças sem construir maioria, é conversa fiada”[12].
Sobre os escândalos de corrupção envolvendo membros de seu partido, após ser indagado sobre possíveis providências, considerando que é o presidente do PSDB e se diz ético, limitou-se a dizer que um deles foi afastado e o segundo afastou-se da vida pública há quase dez anos, mas desconversa quando questionado se irá pedir o seu desligamento, afirmando que ele o fará por conta própria. E ante a crítica da ética pregada pelo PSDB não valer para os próprios tucanos, mas somente para os partidos adversários, ele garantiu que a justiça e as leis são para todos, e embora em todos os partidos do mundo haja casos de pessoas que cometem “erros”, “desvios”, todos respondem por isso, direcionando a atenção ao PT, sugere o processo inverso: “Muito diferentemente do PT que vai acampar na porta de penitenciaria e desacreditar a justiça e as instituições brasileiras. Nós não fazemos isso. Tem qualquer que seja o problema, investigue-se, apure-se e faça justiça”. Assim, reitera ser alguém que “respeita” e “estimula as instituições judiciais”, que “não desmoraliza as instituições”, segundo ele, como o fez PT.
Essa dificuldade de delimitação do “Nós” e do “Eles”, não se dá só em relação aos partidos de sua coligação (que fazem parte da base aliada do atual governo federal) e a sua forma “antiga” de fazer política, mas também diz respeito ao próprio presidente Temer e ao seu partido, o MDB. Houve falas nas quais se apontava que viriam a fazer parte do “Nós”, em particular o presidente, cujo apoio Alckmin disse em certa oportunidade que seria “honroso e importante”[13]. No entanto, posteriormente negou uma aproximação, porque o MDB “já possuía pré-candidato”, Henrique Meireles, mas abrindo também espaço para a crítica sobre o “legítimo” pelo voto em oposição ao “ilegítimo”, quando não se tem voto direto: “A democracia, o voto, ele traz uma força muito grande… Eu nunca ocupei um cargo público sem ser por eleição. Foi voto do povo”[14]. Ante o contínuo aumento do descrédito do presidente frente à população, com a propaganda eleitoral gratuita, o candidato passou a tentar distanciar-se mais de Temer e criticar duramente os resultados das ações do seu governo. Ante as respostas irritadas e irônicas em vídeo do atual presidente acusando-o de dizer falsidades e de ser injusto com os próprios partidos que fazem parte de sua coligação, incluindo o PSDB do próprio governador, abriu-se uma nova série de embates, querendo deixar claro para os eleitores, que ao menos o presidente, e sua herança, não fazem parte do “Nós”.
Da mesma forma, ante os resultados das pesquisas eleitorais onde se evidenciava que Bolsonaro estava conquistando grande parte da potencial base de Alckmin – incluindo São Paulo, seu próprio estado – suas práticas discursivas passam a aumentar a crítica estabelecendo uma distinção clara entre o “Nós” e o “Eles”, opondo o diálogo, o convencimento, às balas, significado veementemente associado à campanha do outro candidato: “Olha, eu acho um horror [a candidatura do Bolsonaro]. Porque na verdade nós não vamos resolver o problema de emprego no Brasil à bala, nós não vamos atrair investimento pro Brasil à bala. Nós não vamos melhorar a saúde, fazer leitos de UTI, atender quem está sofrendo, quem está doente, à bala. Nós não vamos melhorar a qualidade da educação pública que é essencial pra produtividade e pro Brasil crescer, numa agenda de competitividade, à bala. Nós não vamos montar creches à bala[15]. Com a abertura da propaganda eleitoral anúncios nesse sentido passam a ser difundidos, incluindo também outros aspectos críticos das práticas discursivas de Bolsonaro, como o “não respeito às mulheres”, visando trazer também para o seu “Nós” mulheres que fazem parte do maior contingente de indecisos e de pessoas que pretendem anular o voto.
Em outros atributos da cadeia de equivalências a distinção entre o “Nós” e “Eles” permanece sem grandes mudanças (apesar de zonas cinzas). Para Alckmin o Brasil precisa recuperar sua competitividade, já que em dezoito anos, referindo-se a gestões anteriores, apenas três acordos comerciais foram feitos. Nota-se que sob argumentos de cunho econômico, envolvendo concessões, privatizações, etc., e discurso de recuperação econômica, continua a linha do governo Temer. Alckmin busca convencer os eleitores que o Brasil se encontra em um momento decisivo, marcado pelas eleições, isto é, para escolher “dobrar a renda, como no Chile, ou o populismo da Venezuela”. Garante ainda defender a responsabilidade fiscal, falar a verdade, a transparência, e medidas rápidas. “Nem o risco do populismo, nem o extremismo que leva ao descaminho”. Para ele o “governo deve ser planejador, regulador e fiscalizador. O governo não deve ser empresário” [16].
Ainda no marco do prognóstico, ante a avaliação de qual é o principal problema que aflige o país – a crise de legitimidade política e a estagnação econômica – e com a delimitação da fronteira entre o “Nós” e o “Eles”, o discurso do candidato passa a nominar a solução: “Fazer o Brasil crescer”: “o Brasil precisa voltar a crescer, atrair investimento privado e gerar emprego e renda. Sem crescimento, não se resolvem os problemas econômicos e sociais, e não se combatem as desigualdades. Fazer o Brasil voltar a crescer é vital para o futuro de todos”[17]. “Fazer o Brasil Crescer”[18] é o ponto nodal[19] de seu discurso, articulando em seu entorno uma cadeia de equivalências com as principais demandas e insatisfações manifestadas pela sociedade, diante do “desencanto” e “desesperança”, desemprego, falta de renda, e a carga tributária diferenciada entre a população. Assim, “fazer o Brasil Crescer” assume as características de um significante vazio[20] ao qual, tanto o candidato como os seus eleitores, atribuem uma pluralidade de significados de acordo com os seus interesses e visões.
No último marco analisado, o marco da motivação, além da moralização da fronteira, destacando a oposição entre “Nós” – o bem – e “Eles” – o mal, é no âmbito da questão econômica que o discurso do candidato persegue o objetivo político de mobilizar o “povo”, o “coletivo órfão”, para que juntos, a partir dos votos almejados, superem os problemas e o país volte a crescer e prospere. Citando Juscelino Kubitschek e lançando mão de seus argumentos sobre a “união nacional”, ele promete: “Vou percorrer o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste, pregando a união nacional, deixando de lado os pesadelos do passado”. Os pesadelos do passado referidos no discurso de Alckmin representam “a divisão” na qual o país se encontra, e os sentimentos de “ódio” e “raiva” disseminados todos os dias na sociedade. Como solução “aos pesadelos” é necessário, segundo ele, o aprofundamento dos diálogos, e o “convencimento” como tática. “Tem que ganhar a sociedade. Trazer o povo junto. [E dizer] olha, o Brasil vai recuperar. Vai gerar emprego, renda, oportunidade pra [sic] poder crescer”[22].
Também visando mobilizar aos seus seguidores, procede à reconstrução mítica histórica do passado. Neste caso, o discurso de Alckmin remete – alinhado à visão tradicional da classe média – aos anos dourados do Brasil, a um “passado próspero”, apontando as décadas de 1930 até 1980 como período de ascensão e progresso (passando por alto as descontinuidades democráticas e econômicas, e o agravamento de questões sociais). “O Brasil da década de 30 até a década de 1980 foi o país que mais cresceu no mundo em média. Durante 50 anos 5% ao ano. Durante quase meio século. Nós éramos um país pobre, de renda baixa e passamos a ser um país de renda média, mas estagnamos e caímos nessa armadilha de renda média”.
O programa político encarnado na sua proposta de governo, fecha o marco da motivação. Partindo de sua afirmação: “Sou o candidato da mudança. Quem não quiser mudar nada eu não sou o candidato… Eu acho que se o Brasil não fizer mudanças sérias e rápidas, nós vamos entrar em decadência econômica[23]. Segundo ele as reformas econômicas, devem ser apresentadas logo em janeiro de 2019, no Congresso Nacional, com vistas a destravar a economia, desburocratizar, e trazer investimentos ao país. Alckmin argumenta que as reformas estruturais que irá empreender – política, tributária, previdenciária e do Estado, de cunho neoliberal – tem como finalidade “fazer com que o país volte a crescer”, pois: “se não voltar a crescer não é só o governo que não vai arrecadar. Não tem emprego. A nossa meta é voltar o crescimento, para crescer precisa ter investimento. Pra ter investimento é preciso ter confiança, que é o que vamos trabalhar permanentemente”. Assim, “abriremos a economia e faremos com que o comércio exterior represente 50% do PIB. Isso é vital para retomarmos a agenda de competitividade do pais; Transformaremos o Brasil no país mais atrativo para empreender e investir na América Latina; Vamos dar prioridade aos investimentos em infraestrutura, em parceria com a iniciativa privada, como fator estratégico para aumento da competitividade da economia brasileira”[24].
Quanto à reforma política, o candidato defende o voto distrital ou distrital misto, e faz uma crítica à quantidade de partidos existentes no Brasil, classificando-os como pequenas e médias empresas, mantidas com dinheiro público, garantindo ser uma de suas metas reduzir a quantidade de partidos existentes. “Ou nós vamos continuar nesse marasmo que tá o Brasil ou nós precisamos fazer reformas. O Brasil precisa das reformas. E eu estou explicitando o que eu vou fazer: reforma política, exatamente para não ter 35 partidos. Reduzir o número de partidos, reduzir… Voto facultativo, importante voto distrital. Proibir coligação proporcional”. Em outra ocasião ele afirmou “todos os partidos estão fragilizados. Quando você tem 35 partidos, claro que não tem nenhum. Está tudo fragilizado e o eleitor vai votar nas pessoas. Vai votar nas pessoas. Tem essa história de que vota em partido. Não é verdade”[25].
Sua proposta política inclui desde o desenvolvimento das potencialidades das regiões Norte e Nordeste “em áreas como energias renováveis, turismo, indústria, agricultura e economia criativa”, até outras como o combate à corrupção, incremento do bolsa família, proteção ao idoso, defesa das mulheres e dos LGBTI, ações contra violência racial, repressão ao tráfico sexual e de crianças e inclusão de pessoas com deficiência. Sobre a educação, ele tenta uma aproximação chamando as mães ao diálogo: “Quero até falar com as mulheres, falar com as mães aqui, que nós vamos priorizar o ensino infantil, a educação infantil que é de 0 até 5 anos de idade. Que é quando o cérebro mais se forma. Quando é importante a parte emocional da criança. Então é creche, 0 a 3 anos de idade e a pré-escola que é o ensino infantil. Depois a qualidade do ensino fundamental, de 6 a 14 anos, e depois o ensino médio e técnico”[26].
No tocante à segurança, considera que a violência em razão do tráfico de drogas é um dos maiores problemas de todo o Brasil e critica o governo federal por não cuidar das fronteiras: “Nós produzimos milho, cana, café, nós não produzimos cocaína. Tráfico de armas. Como é que entra metralhadora, fuzil? Entram pelas fronteiras”[27]. No entanto, em entrevista ao Jornal Nacional, já citada, Quando indagado sobre o fato de a maior facção criminosa (o Primeiro Comando da Capital – PCC) do Brasil ter nascido em São Paulo e se expandido pelo país, atravessando fronteiras, o candidato sustenta que a segurança de são Paulo “é um exemplo”, e rejeitou os argumentos dos entrevistadores sobre os membros da facção comandarem os crimes de dentro das penitenciárias, ignorando completamente as notícias difundidas sobre os casos de bilhetes em vasos sanitários e encontrados pela própria polícia[28]. Sobre isso ele diz: “Isso aí são coisas que vão sendo repetidas e acabam se tornando realidade”.
Sobre seu estilo de atuação na campanha, comparado ao de outros candidatos “mais agressivos”, ele é enfático ao responder porque não colocaria “um pouco de pimenta no chuchu”: “Não sou um showman”. E define que a função de um presidente é solucionar os problemas sociais, atender a população, acionando, inclusive, sua identidade como médico para fundamentar o seu discurso: “A política que eu acredito, moderna, é de resolver problema da população. Isso que interessa. Fazer o país crescer, trazer investimento, melhorar a segurança, melhorar a saúde, que é o meu dever até como médico. Educação, reduzir custos, ter eficiência. É nisso que eu acredito, não é essa coisa meio do passado, de ribalta, demagógica, discursiva. Eu não escondo nada (suas propostas de reformas)”[29]. Por esse mesmo viés o candidato registra a diferença primordial existente “entre o falar e o fazer […]. Se pegar todos os outros candidatos, tudo discurso”[30]. Mesmo afirmando não ser um Showman, justificando a ausência de falas inflamadas em seu discurso e sua menor entrada nas mídias sociais, cabe recordar que a sua coligação garantiu-lhe quase metade do tempo eleitoral na TV (44%), assim como o maior fundo partidário.
Sua imagem pessoal asséptica, de camisas impecáveis, se conjuga com um tom de discurso de gestor técnico, pronunciado com “provérbios e parábolas”, mas sem carisma nem emoção, reafirmando a visão de seus críticos de assemelhar-se a um “picolé de chuchu” (aliás, “chuchu que quer conquistar a soja”, como aponta a jornalista Eliane Brum, com a valorização do agronegócio em sua campanha)[31].
Em termos de resposta a todas estas características do seu discurso político, segundo a pesquisa do IBOPE do dia 05/09/2018 (na qual Lula foi excluído), tendo começado já a propaganda eleitoral na TV, Alckmin apresenta um crescimento de (5%) para (9%) nas intenções de voto. O seu discurso, em termos de apelo eleitoral, está conseguindo o mesmo êxito entre homens e mulheres (9%). Porém, em termos de idade, ele tem maior apoio na faixa entre 25 e 34 anos (11%) e na população mais idosa, isto é, com mais de 55 anos (10 %), mas não consegue atrair os mais jovens (5%). Seu apelo parece bem recebido entre os menos escolarizados: (11%) daqueles que cursaram até quarta série e (10%) entre aqueles que cursaram entre quinta e oitava série. Em termos de rendimento familiar há uma adesão equilibrada em todas as faixas, porém com menor apoio (8%) entre aqueles que pertencem a núcleos familiares e obtém mais de cinco salários mínimos. Finalmente, em termos de região, o alcance de seu discurso é melhor sucedido no Norte/Centro Oeste e no Sudeste (10%) do que no Sul e no Nordeste (8%).
O “atentado” sofrido pelo candidato Bolsonaro no dia 6 de setembro de 2018, coloca um dilema na reorientação do discurso de Alckmin. Aproveitando o seu maior tempo eleitoral nos meios de comunicação, além das críticas ao governo Temer e ao PT, ele vinha colocando o foco – como apontamos anteriormente – na desconstrução crítica de Bolsonaro, do seu discurso e candidatura. E estava obtendo êxito, veja-se tanto o aumento de suas intenções de voto como o crescimento da rejeição ao Bolsonaro. Porém, com o “atentado” também aumenta o risco do “efeito bumerangue”, isto é: os efeitos dos ataques podem se voltar contra Alckmin. O pedido de substituição de programas de rádio, críticos, já gravados pelo candidato, são exemplos de ações que visam contornar este risco. Porém, será que retomar o foco no PT e no Temer enquanto representantes do “Eles”, sem atrair os desiludidos com o Bolsonaro, dará ao discurso de Alckmin o necessário impulso para mobilizar os apoios suficientes para chegar ao segundo turno, e depois, numa nova reconfiguração de apoios, vencer a eleição? A disputa hegemônica para catalisar as demandas, visões e interesses no campo da direita e do centro direita – todas de padrão neoliberal – visando ser a opção viável para ganhar as eleições e governar o país, está chegando a momentos decisivos. E Alckmin sabe disso.
ESPECIAL
Este texto faz parte da série especial “A ANÁLISE DE DISCURSO DOS CANDIDATOS”. Entre os discursos examinados estão os das candidaturas Marina Silva, Jair Bolsonaro, Lula, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Guilherme Boulos.
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*Annagesse de Carvalho Feitosa, Jorge O. Romano, Alex L. B. Vargas, Paulo A. A. Balthazar, Thais P. Bittencourt, Yamira R. de Souza Barbosa . Os autores – professor, doutorandos e mestrandos – conformaram no CPDA/UFRRJ um grupo de reflexão sobre análise de discurso populista fundado na proposta de Laclau e Mouffe, coordenado pelo Dr. Jorge O. Romano, do qual saíram textos específicos sobre o discurso de seis candidatos a presidência que estão sendo publicados no Le Monde Diplomatique Brasil online, assim como um artigo com a visão geral dos resultados alcançados, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil na sua edição de Setembro de 2018