Quem são as candidaturas negras ao legislativo em 2024?
Dados sobre a distribuição etária e racial das candidaturas revelam um movimento significativo de transformação na política brasileira. Confira o último artigo da série do Opará Eleições
A intenção da série produzida pelo Observatório Opará sobre as eleições de 2024 tem sido observar como as barreiras históricas e estruturais à plena participação da população negra no sistema político brasileiro ainda atingem negras e negros pós 380 anos de escravidão. Sabe-se que, de fato, esse fato social afeta fundamentalmente a construção e a organização do estado brasileiro e compromete a representação equitativa de parte da população, aqui focamos nas pessoas negras, na democracia moderna. Nestes estudos, pudemos tirar algumas conclusões a respeito das candidaturas de pessoas negras para o legislativo brasileiro.

A partir da mobilização do Índice de Equilíbrio Racial (IER), ferramenta utilizada para medir a representação de diferentes grupos raciais nas candidaturas eleitorais em comparação à sua proporção demográfica, e dos dados do universo de municípios brasileiros – são eles 5570– , chegamos à conclusão de que, no geral, houve um certo equilíbrio racial nas candidaturas municipais no Brasil com algumas diferenças regionais.
As regiões Sudeste e Sul apresentam maior “sub-representação” de candidatos negros, enquanto as regiões Norte e Nordeste têm uma “maior representação” da população negra. Analisando, especialmente, a participação da mulher negra no pleito de 2024, identificamos dois estados que têm uma significativa sub-representação. São esses Paraná, com 15% de seus municípios nessa condição, e o Ceará, com 12,5% de seus municípios assim. São Paulo vem em 3º lugar com 9,6% de seus municípios com um déficit de candidaturas de mulheres negras se comparadas as candidaturas com a representação dessas pessoas na distribuição demográfica da cidade. Focando o olhar nas pessoas pretas também verificamos que há um equilíbrio em 57,69% dos estados brasileiros, apenas o estado de Alagoas nos chamou a atenção por estar em situação crítica de sub-representação de pessoas pretas, são 12,05% dos municípios enfrentando essa realidade.
Pensando nos dados a partir de sua relação com (dados) agregados pelos principais partidos nacionais, evidencia-se que a maior representação de candidaturas negras nos municípios brasileiros, está nos partidos PT e PSOL, apresentando 25,81% e 38,74%, respectivamente. Isso significa que, nesses casos, o número de candidaturas negras por esses partidos é superior à proporção da população negra local, demonstrando aparente esforço intencional para aumentar a participação política dessa parcela da população. Por outro lado, há partidos que apresentaram forte sub-representação de candidaturas negras ao legislativo municipal, são eles o PL (Partido Liberal), com uma sub-representação de 24,69%, seguido pelo PP (Progressistas) com 22,27%, o PSD (Partido Social Democrático) com 22,64% e o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) com 22,04%.
Importante ressaltar que as eleições municipais de 2024 marcam um momento histórico no Brasil, sendo as primeiras realizadas após a promulgação do Decreto nº 10.932/2022, que fortaleceu as políticas de ações afirmativas no país. Esse decreto, ao internalizar a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, representou um avanço significativo na promoção de igualdade racial e inclusão de grupos historicamente marginalizados.
Para entender com mais precisão quem são as pessoas negras que se disponibilizaram a candidatar para as proporcionais municipais em 2024, verificamos suas biografias a partir de suas declarações de raça/cor, sexo, estado civil e estado de nascimento.
Raça/cor
Inicialmente analisamos todas as candidaturas a cargos legislativos municipais dos 5570 municípios brasileiros e constatamos que candidaturas negras (pretas e pardas) são maioria (53,71%). Comparando a proporção de candidaturas negras com as dos demais grupos raciais, ficou evidente que os percentuais de candidaturas se aproximam da distribuição racial da população brasileira.
Do total de candidaturas, 44,64% das pessoas se declararam brancas, sendo 43,5% da população brasileira branca. A população parda tem um pequeno déficit em relação à sua distribuição populacional, dado que 45,3% da população se declarou parda ao Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no ano de 2022 (Censo IBGE 2022) e temos em 2024 apenas 41,89% de candidaturas de pessoas pardas.
Em relação à população preta, temos uma maior representação se comparada às auto-declarações ao Censo IBGE 2022, neste tivemos 10,2% de pretos, já as candidaturas negras foram 11,82% do universo de candidaturas no ano de 2024.
Sexo
Quanto ao sexo, vale lembrar que, conforme dados do Censo IBGE 2022, a população brasileira possui 51,5% de mulheres e 48,5% de homens. Nesse aspecto, ressaltamos que o percentual de candidaturas de mulheres é bastante inferior à sua representação demográfica, 35,20%, o que ressalta a exclusão das mulheres do ambiente da política profissional e todos os percalços que têm pelas sobrecargas dos trabalhos no mercado de trabalho e no ambiente doméstico e que as impedem de disputar cargos políticos.
Estado civil
No que se refere ao estado civil, mais de 80% das candidaturas estão em dois grupos: pessoas casadas (49,46%) e pessoas solteiras (38,21%), o que pode indicar a importância da rede familiar para as candidatas e candidatos que estão encampando a disputa.
Origem/estado de nascimento
No que diz respeito ao estado em que as candidatas e candidatos nasceram, é interessante perceber que Minas Gerais é o estado de origem da maior proporção das candidaturas, sendo Minas Gerais o segundo em número absoluto de população, segundo o IBGE. Minas Gerais vem seguido por São Paulo (1º em população), Paraná (3º em população), Bahia (4º em população), Rio Grande do Sul (5º em população), Rio de Janeiro (3º em população) e Maranhão (7º em população).
Faixa etária
Em relação ao sexo das pessoas candidatas nas diferentes faixas etárias, temos mais candidaturas femininas do que masculinas no estrato etário de jovens e no estrato etário de 30 a 40 anos e, mais candidaturas masculinas do que femininas no estrato etário das pessoas com mais de 60 anos. O fato de haver mais candidaturas femininas entre os jovens e na faixa de 30 a 40 anos pode indicar um aumento do engajamento de mulheres nas esferas políticas, especialmente entre as gerações mais novas. Isso sugere que as mulheres estão mais motivadas ou encontrando mais oportunidades de se candidatar a cargos públicos em idades mais jovens. Por sua vez, o maior número de candidaturas masculinas entre as pessoas com mais de 60 anos pode refletir uma desigualdade histórica no acesso de mulheres à política.
Faixa etária, raça/cor e sexo
Analisando as candidaturas legislativas de 2024 a partir de sua autodeclaração de raça/cor, os novos dados analisados revelam variações significativas no perfil etário dos candidatos quando analisadas diferentes grupos raciais. Essas diferenças apontam para dinâmicas específicas de participação política entre indígenas, pessoas de origem asiática (amarelas), pretas e pardas.
No caso das pessoas pretas e pardas, os dados indicam uma menor participação tanto de jovens quanto de idosos. Isso sugere que essas populações tendem a ter uma presença mais concentrada em faixas etárias intermediárias, como as de 30 a 50 anos, o que pode refletir dinâmicas próprias de engajamento político, com possíveis obstáculos tanto para os mais novos quanto para os que possuem maior idade. Entre as populações indígenas, há uma presença marcante de jovens candidatos. Proporcionalmente, os indígenas possuem mais candidaturas de pessoas jovens e de pessoas na faixa etária de 30 a 40 anos, em comparação com outros grupos raciais. Por outro lado, há uma menor proporção de candidaturas de pessoas idosas, o que sugere uma participação mais ativa das gerações mais novas nas disputas eleitorais. Em contrapartida, nas candidaturas de pessoas de origem asiática (amarela), observou-se uma participação proporcionalmente menor de jovens, quando comparada a outros grupos. Isso levanta questões sobre o envolvimento das novas gerações desse grupo nas eleições e pode indicar possíveis barreiras entre os mais jovens.
Ao concentrar a atenção na distribuição etária e racial das candidaturas, surgem observações bastante interessantes. Para candidaturas de pessoas pardas, há proporcionalmente: Mais mulheres do que homens candidatos na faixa etária 18 a 29 anos (jovens); mais homens que mulheres candidatas entre pessoas idosas; mais mulheres que homens candidatos na faixa etária de 30 a 40 anos. Ou seja, as mulheres têm dominado as candidaturas pardas mais jovens.
Entre as pessoas pretas, o mesmo fenômeno acontece. Proporcionalmente, há mais mulheres do que homens candidatos na faixa etária 18 a 29 anos (jovens) e mais homens do que mulheres candidatas entre pessoas idosas. O que pode nos indicar que estamos testemunhando um movimento crescente de mulheres pretas jovens se candidatando aos cargos legislativos.
Olhando também para as candidaturas de indígenas chama atenção que há mais mulheres do que homens candidatos na faixa etária 30 a 40 anos e na faixa etária de 18 a 29 anos (jovens).
Em suma, pessoas indígenas têm, proporcionalmente, mais candidaturas com idade entre 18 e 40 anos do que no caso de outros grupos. Entre pessoas brancas que se candidataram, também há proporcionalmente mais candidaturas femininas do que masculinas na faixa etária entre 30 e 40 anos; mais candidaturas femininas do que masculinas entre jovens. Mais candidaturas masculinas do que femininas entre idosos.
Por fim, entre pessoas amarelas que se candidataram, há novamente mais candidaturas femininas do que masculinas entre jovens e na faixa etária de 30 a 40 anos. Entre as pessoas com mais de 60 anos há mais homens que mulheres se candidatando.
A partir desses dados, podemos conjecturar que estamos vendo uma mudança geracional em relação às candidaturas e a representação das mulheres. Isto é, nas faixas etárias mais jovens já vemos, em todos os grupos raciais maior presença de mulheres do que de homens. Esses dados também podem sugerir que são resultado do aumento de políticas de incentivo à participação feminina nos últimos anos, especialmente voltadas para mulheres mais jovens, enquanto as barreiras enfrentadas pelas mulheres com maior idade podem ter sido mais significativas ao longo de suas carreiras.
Escolaridade, estado civil, origem e raça/cor
Passemos à análise da escolaridade, estado civil e unidade da federação onde as pessoas candidatas nasceram a partir de um corte racial.
A maioria das pessoas brancas candidatas (37,7%) concluiu o ensino superior. Outro ponto que chama a atenção é que a maioria das pessoas candidatas nasceu em São Paulo, o que difere do panorama nacional.
No caso de pessoas pardas, a maioria (41,9%) concluiu o ensino médio, com 22,8% que concluíram o ensino superior. Quanto às candidaturas de pessoas pretas, predominam os concluintes do ensino médio (40,3%) e 21,8% tendo concluído o ensino superior. Além disso, a maioria das pessoas negras (pretas ou pardas) candidatas nasceu em Minas Gerais – seguindo o panorama nacional – com a Bahia ocupando a segunda posição nesse quesito. Por sua vez, São Paulo (o estado mais populoso da federação) ocupa a terceira posição em termos de origem natal de pessoas negras candidatas.
Em relação às pessoas pretas, chama atenção que sua maioria tem ensino médio (40,3%) e tem origem em Minas Gerais (19,7%).
Quanto às pessoas indígenas, 41,0% das candidaturas concluíram o ensino médio, embora apenas 22,9% tenham concluído o ensino superior. Outro aspecto que chama a atenção é que, diferentemente do quadro nacional de maioria de pessoas candidatas casadas, a maioria das candidaturas indígenas é solteira.
Além disso, o estado de nascimento da maioria dos indígenas que se candidataram a cargos eletivos é o Amazonas, seguido de Mato Grosso do Sul, Roraima e Bahia. O Paraná, por outro lado, ocupa apenas a 13ª posição. Lembrando dos dados de violência contra povos indígenas, vemos que os cinco estados onde há mais conflitos (e assassinatos e outras formas de violência contra indígenas) são Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima e Amazonas; o que aponta para uma sub-representatividade indígena nos espaços decisórios, o que pode contribuir para impactos negativos e perigosos a tais povos originários.
A maioria das candidaturas de pessoas amarelas (ou de origem asiática) é formada por concluintes do ensino médio (38,0%), com 33,9% no rol de concluintes de um curso superior.
Considerações
Em conclusão, os dados sobre a distribuição etária e racial das candidaturas revelam um movimento significativo de transformação na política brasileira. A maior presença de mulheres jovens, especialmente entre pessoas pretas, pardas, indígenas e amarelas, sugere uma mudança geracional no engajamento feminino. Essa tendência aponta para um aumento das oportunidades e incentivos à participação política de mulheres nas faixas etárias mais jovens, refletindo os efeitos de políticas afirmativas implementadas nos últimos anos. Por outro lado, a persistência de candidaturas masculinas predominantes entre aquelas pessoas com maior idade revela que as barreiras históricas enfrentadas pelas mulheres de mais de 60 anos ainda têm impacto na representação política. As candidaturas femininas em faixas etárias mais jovens, presentes em todos os cortes raciais, indicam um possível ponto de inflexão para uma maior equidade de gênero no futuro político do país.
No entanto, o retrocesso imposto pela Proposta de Emenda à Constituição nº 9 de 2023 (PEC 9/2023) pode ter efeitos significativos quanto ao cenário identificado nas eleições municipais de 2024. Nesse aspecto, o Opará Eleições continuará atento às questões que afetam a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo no Brasil.
Confira os demais textos desta série
Eleições 2024: Competição ao legislativo municipal e a participação de pessoas negras
A participação da mulher negra e o retrato da competição para o legislativo municipal
Elites partidárias locais e recrutamento de candidaturas negras ao legislativo municipal
Como estão as candidaturas pretas ao legislativo municipal?
Referências
MISSIONÁRIO–CIMI, Conselho Indigenista. Violência contra os Povos Indígenas no Brasil–Dados de 2023. Brasília: CIMI, 2024. Disponível em: <https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2024/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2023-cimi.pdf/>. Acesso em: 25 set. 2024.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/22827-censo-demografico-2022.html. Acesso em: 26 set. 2024.
Tribunal Superior Eleitoral. Candidatos – 2024 – Portal de Dados Abertos do TSE. Disponível em: <https://dadosabertos.tse.jus.br/dataset/candidatos-2024>. Acesso em: 26 set. 2024.
SOARES, R. R.; DUFFECK, E.. Consultor Jurídico. A (in)constitucionalidade da PEC 09/2023 e a proibição do retrocesso social. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-jun-05/direito-eleitoral-inconstitucionalidade-pec-092023-proibicao-retrocesso-social/>. Acesso em: 26 set. 2024.
BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição nº 09, de 2023. Impõe aos partidos políticos a obrigatoriedade da aplicação de recursos financeiros para as candidaturas de pessoas pretas e pardas; estabelece parâmetros e condições para regularização e refinanciamento de débitos de partidos políticos; e reforça a imunidade tributária dos partidos políticos conforme previsto na Constituição Federal. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2352476>. Acesso em: 26 set. 2024.
Helga Almeida é professora doutora na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e Coordenadora do Opará Eleições. E-mail: [email protected]
Aníbal Livramento da Silva Netto é professor doutor na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e pesquisador do Opará. E-mail: [email protected]
Ana Luisa Araujo de Oliveira é professora doutora na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e coordenadora do Opará. E-mail: [email protected]