TCE-PR confirma concentração de premiações repetidas na Lei Aldir Blanc
A concentração de prêmios repetidos nos mesmos nomes aparenta, como revela auditoria do TCE-PR, no mínimo uma gestão equivocada e imoral dos recursos
A arte e as tradições são fortes socialmente no Brasil, dada a relevância das muitas culturas populares, bem como a força das festas e ritmos nacionais. Isso se exprime em números também na economia: o setor equivale a 2,7% do PIB, representando 4,8 milhões de empregos, que equivale a 5,6% do total de trabalhadores ativos no Brasil na soma dos setores de arte, cultura, entretenimento e artesanato, como exposto em reportagem anterior. Somente o estado do Paraná ocupa 400 mil trabalhadores nessas cadeias produtivas.
No entanto, segundo o Observatório da Cultura do Brasil (OCB), as políticas culturais e o financiamento público do Paraná (assim como de outros estados) estão voltadas para apoio de determinados perfis de produção artística, e não para políticas públicas ou investimentos em infraestrutura, equipamentos, créditos, capacitação ou aumento de empregos e renda, gerando um efeito contrário: a dependência de uma classe privilegiada por recursos públicos.
Na auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) realizada na Superintendência-Geral de Cultura do Paraná (SGC-PR) foi exposto algo que já havia sido comentado entre os entrevistados, dirigentes de entidades e especialistas ouvidos nesta série de reportagens: de que os nomes premiados em editais seriam recorrentes, os mesmos contemplados em outros certames realizados nos últimos anos. No caso da Lei Aldir Blanc (LAB) aplicada no Paraná, se esperava maior distribuição por ser assistencial, mas ocorreu o contrário dos objetivos dessa política emergencial.
Fora das bolsas ofertadas pela LAB, que na prática (ao menos no Paraná) acabou promovendo políticas para estudantes universitários, ocorreu ainda má distribuição das verbas de auxílios mensais de R$ 600 (renda emergencial do inciso I da LAB) que não obtiveram efeitos satisfatórios, resultando em aplicação de apenas 7,26% do previsto. No caso dos prêmios dados através do inciso III da LAB (voltado ao fomento e manutenção do setor), foi observada uma concentração nos mesmos nomes contemplados anteriormente em outros editais, o que se revelou um indicativo reincidente.
Mérito para quem? Reconhecido por quem?
Os erros podem ter origem na escolha de política de fomento (que inclui alta burocracia e exigências de mérito) ou vazamento de informações privilegiadas, ou ainda nas escolhas de gestores que apresentam desconhecimento de políticas e indicadores para tomada de decisão. Porém, o que ocorreu foi o oposto da proposta da lei, que era salvaguardar os trabalhadores da cultura. Pois a concentração de prêmios repetidos nos mesmos nomes aparenta, como revela a auditoria do TCE-PR, no mínimo uma gestão equivocada e imoral dos recursos.
A concentração de prêmios da LAB nos mesmos proponentes em poucas cidades com alto índice de IDH revelou que ocorreu apagamento cultural dos grupos e comunidades excluídas. Mas a concentração de verbas na capital Curitiba (quando deveriam ser distribuídas para todo o Paraná) oculta outro problema ainda mais grave, pois dentro de Curitiba as premiações foram ainda repetidas em pagamentos duplicados ou até multiplicados nos mesmos proponentes.
Teria ocorrido má gestão pública, ausência de critérios de seleção, de pareceres, irregularidades na fase de certificação e de pagamentos, além de recursos concentrados e mal distribuídos. A série de reportagens ainda revelou que funcionários públicos, conselheiros e membros de comissão de elaboração de editais foram premiados. Além disso, projetos clonados dos mesmos proponentes foram contemplados em diferentes editais, dentre outras irregularidades, que são justificadas tanto pelas elites das artes (de direita) e também pelas bases de cultura da própria esquerda, contraditoriamente com a tese “neoliberal” de que aqueles que ganham teriam mais “mérito”. Porém, segundo o pesquisador Manoel J de Souza Neto, no artigo “Mérito no julgamento de projetos nas leis de incentivo à cultura”, de 2012: “o discurso do mérito serve como instrumento para mascaramento do real, estando na verdade a serviço da legitimação das elites de classes, com intenção de gerar vantagens para que o poder seja mantido pelas elites, suas supostas tradições, e ‘diferenciação’ no conceito de Pierre Bourdieu no livro A distinção, portanto uma fabricação de valores para se estabelecerem diferenças com demais classes para afirmativa de grupo social. Todos os grupos descontentes são desqualificados em seus discursos, erros de português, vestimentas, valores, visões políticas, no mesmo sentido atribuído por [Norbert] Elias, como conflito entre centrais e periféricos como sendo uma forma de organização e separação entre os grupos, feita através de violência simbólica, novamente citando [Pierre] Bourdieu”.
As políticas de exclusão social e seus mecanismos podem muito bem ser entendidas através da leitura de obras de pensadores como os citados Norbert Elias e Pierre Bourdieu. Manoel, afirma: “não se tratam de erros pontuais, se trata de um sistema feito para dar errado e beneficiar poucos. Não sendo o caso do Paraná o único, sendo possível que essa situação seja sistêmica e estrutural. Seriam sistemas de manutenção de poder e de diferenciação, através de violência simbólica, habitus, campus, exclusão social, legitimação do mundo da arte, favorecimentos e apanágios para elites desses campos sociais”, avalia.
Centenas de milhões para poucos
O montante desses recursos também não foge aos olhares dos especialistas e técnicos. Pois a soma de recursos (na fase recente da história) que é destinada a esses editais passa dos 150 milhões do que foi destinado entre municípios e estado do Paraná, apenas na LAB.
Segundo o OCB (que forneceu as análises numéricas abaixo), os gastos com a LAB e outros editais no Paraná necessitam de atualização quando comparados os dados anteriores, devido aos novos relatórios da SECC-PR, da auditoria do TCE-PR e ofícios trocados entre a pasta da cultura e a Alep. Os recursos previstos em crédito para o Paraná teriam originalmente um repasse total de R$ 92.429.637,75. Porém, o estado aplicou apenas R$ 71.915.814,94 dos recursos transferidos, com reversão de R$ 20.513.822,81 ao governo federal. Já o total de repasses da LAB para os municípios tinha previsão equivalente ao valor destinado ao Governo do Estado, com crédito de mais R$ 72.548.143,00 para divisão entre as 399 cidades paranaenses.
Porém, por causa da baixa participação dos municípios no cadastro da LAB, apenas R$ 34.784.188,05 foram repassados do Fundo Nacional de Cultura, e destes R$ 23.361.369,00 teriam ficado sem execução (TCE-PR, 2021, p.163). Porém, os municípios do estado que receberam repasses não conseguiram executar parte dos recursos, fazendo reversão de ainda R$ 6.958.196,73 para a SGC-PR em 2021. Os números finais não foram liberados, mas estima-se que dos R$ 150 milhões iniciais previstos no Estado, só foram gastos 15% na primeira fase. E na segunda fase, na soma de municípios e Estado, não chegaram aos R$ 100 milhões. O resultado foi uma baixa aplicação no destinado aos 399 municípios, no caso da LAB, posto que ocorreu concentração de recursos na capital.
Já a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) teria destinado R$ 11.965.763,82 em editais da LAB. A soma de valores investidos nos últimos anos nas modalidades Fundo e Mecenato passam de R$ 100 milhões com as próprias verbas do município, que circulam exclusivamente em produções de Curitiba.
Em relação aos valores destinados aos programas de fomento e incentivo à cultura no Paraná (sendo o Profice o principal), o relatório de auditoria do TCE-PR informa: “o PROFICE, com edições nos anos de 2014, 2017 e 2019, foi instituído pela Lei estadual nº 17.023/2011 e regulamentado pelo Decreto estadual nº 8.679/2013. Já o Programa Paraná Cultural está com a terceira edição em curso, regulamentada pela Resolução nº 48/2021 da Secretaria de Estado da Comunicação Social e da Cultura (SECC). Nas edições anteriores, o PROFICE distribuiu mais de R$52 milhões e o Programa Paraná Cultural destinou mais de R$5 milhões a projetos no estado. (…) Não obstante o vultoso aporte de recursos recebidos via LAB, a Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná (SEFA) ainda autorizou a captação de R$33 milhões de reais no âmbito do PROFICE (principal programa da SECC), mediante renúncia fiscal entre os anos de 2020 e 2021. Outrossim, quase R$4 milhões de reais decorrentes do programa da SECC Paraná Cultural também foram disponibilizados na edição de 2020 e mais de R$18 milhões foram destinados via Lei Orçamentária Anual (LOA) para o programa de Governo Paraná Cultural” (TCE-PR, 2021, p.13-15).
Na estimativa do OCB, nos últimos anos foram feitos aproximadamente R$ 300 milhões em repasses para a cultura por meio de editais no Paraná, fora editais de municípios do interior do estado e a soma de verbas da Lei Rouanet, o que poderia chegar a mais de R$ 500 milhões no estado. Infelizmente os dados ainda são imprecisos em razão da falta de transparência dos órgãos citados, que se recusam em oferecer dados qualificados.
Valores como esses são imprescindíveis para o desenvolvimento humano e cultural, o que não se discute, podendo ser inclusive considerados baixos diante da demanda social e de investimentos. Mas que não podem ser ignorados nesses estudos, diante da quantidade de irregularidades e práticas sem amparo técnico e legal realizadas pelos organismos responsáveis, segundo auditorias do TCE-PR e estudos independentes.
Sócios de empresas aprovados nos mesmos editais da LAB e editais de cultura da SECC-PR em perspectiva recente
Na confrontação dos dados dos premiados na auditoria do TCE-PR, estão expostos os casos mais contraditórios. Em meio à pandemia, determinados agentes culturais receberam prêmios em vários editais da LAB. Em algumas vezes foram contemplados com prêmios de um mesmo projeto em editais diferentes. Em relação à origem da falha, o TCE-PR relata: “contudo, a falta de um modelo de gestão de políticas e programas culturais no Paraná evidencia-se, nesse achado, pela sobreposição de editais” (TCE-PR, 2021, p.70). O relatório do TCE-PR expôs alguns exemplos de casos em que sócios, por meio de seus CPFs na soma com seus CNPJs, acumulam recursos em editais seguidamente.
Essas premiações, comparadas numericamente, como acima, não demonstram alguma irregularidade ou violação de editais pelos premiados (ao menos aparentemente, demandando análises de especialistas em editais públicos), mas revela o acúmulo de prêmios nos mesmos nomes, “o que em um momento de crise sanitária, em que as verbas assistenciais deveriam chegar para o maior número de pessoas, poderia ser entendido como um ato fora da moralidade pública que o momento exigia”, afirma Manoel J de Souza Neto. Casos comprovados em um conjunto maior de pessoas ao longo de décadas demonstram o descumprimento das funções das políticas culturais das gestões da FCC e SGC-PR diante dos objetivos das leis de incentivo à cultura, e especialmente diante da Constituição Federal, (Artigos 215 a 216-A). Porém a concentração de prêmios nos mesmos nomes, no comparativo com recursos públicos assistenciais nos casos da LAB “seriam um evidente despropósito que afronta os objetivos da legislação”, conclui Manoel.
Amostra revela repetição de aprovados por agrupamentos de proponentes, na comparação de CPFs de sócios e CNPJs de empresas
No caso de associação cruzada entre proponentes e sócios, concorrendo pelos seus CPFs e concomitantemente seus CNPJs, parece prática corriqueira, que concentra muitos prêmios em pequenos agrupamentos. Se cruzados os dados de premiados entre editais da FCC e da SGC-PR, esse abismo entre os 99% que nunca conquistaram algum prêmio, e o núcleo central premiado fica ainda maior, pois os apontamentos iniciais revelam que os premiados em editais de uma esfera (municipal) também são premiados em outra (estadual), acumulando premiações, quando não raro conseguem também prêmios em esfera federal. Parodiando a música “Caviar”, um dos maiores sucessos na voz de Zeca Pagodinho, “Você sabe o que é prêmio de edital? Nunca vi, nem ganhei, eu só ouço falar”.
Em todas as tabelas demonstradas pela auditoria técnica realizada pelo TCE-PR, o que fica evidente é a exclusividade do acesso aos recursos, que se reproduz nos mesmos nomes premiados ano após ano, indiferente se estes foram contemplados em editais de cultura municipais de Curitiba, ou em editais do órgão estadual do Paraná.
Proponentes com mais de dois prêmios nos editais da Superintendência-Geral de Cultura do Paraná
Segundo o OCB, as premiações dadas ao mesmo CPF, em diferentes editais do estado do Paraná e do município de Curitiba, confirmariam o acúmulo de recursos em artistas e produtoras da capital paranaense, reforçando aspectos anteriormente apresentados da concentração de agraciados na cidade em detrimento da distribuição regional. A exclusão ocorre também no comparativo com diferentes nomes, empresas, agrupamentos sociais e profissões culturais, posto que existe desigualdade entre a fatia de projetos que fica em Curitiba. O fenômeno ocorre de forma assimétrica, afunilando verbas voltadas majoritariamente ao teatro, que acaba agraciado de forma desproporcional em comparação às demais atividades culturais. O acúmulo de projetos nos mesmos CPFs e CNPJs muitas vezes se sobrepõem ao permitido nas leis e editais. Isso decorre da má aplicação das regras de fiscalização, diante das vedações previstas. Exemplos desses vícios são projetos premiados, ou com captação de recursos autorizados em leis de incentivo na modalidade mecenato, quando pelas regras estariam em impedimento. Existem normas, e aparentemente não estão sendo aplicadas.
Salta aos olhos dos cidadãos que se conhecem e se cumprimentam nos bares de Curitiba que membros da família Ruiz Leminski constam da tabela acima (e de demais tabelas da auditora do TCE-PR), acumulando ao menos treze projetos com uma soma que supera R$ 1 milhão (fora premiações em outros editais, que chegariam aos 24 projetos premiados). Não sendo crime algum receber prêmios de editais, porém haveria falha do poder público ao distribuir recursos de verbas emergenciais da LAB sem o mínimo cuidado de cruzamento e certificação de dados, gerando concentração de renda que a lei 14.017/2020 determinava, enquanto milhares não receberam recurso algum. Fatores que foram observados no relatório da auditoria do TCE-PR: “Quanto aos proponentes, embora conste limitações ao número de projetos por eles contemplados em diversos programas, por vezes, esses quantitativos não são observados. Além do mais, observa-se um número elevado de projetos/prêmios na mão de restrito grupo de proponentes, que ora fazem inscrição através do CNPJ de suas empresas, ora o fazem pelo CPF (considerando os diversos sócios)” (TCE-PR, 2021, p.198).
Proponentes premiados em mais de dois editais na LAB
No caso da Lei Aldir Blanc, as mesmas exclusões de um lado e concentração do outro se repetiram. Mesmo sendo os recursos assistenciais, um número ainda indeterminado de agentes culturais no Paraná acumulou mais de dois prêmios. Em alguns casos, quatro prêmios para a mesma pessoa, segundo o TCE-PR (uma auditoria independente identificou até oito prêmios por pessoa em uma única rede) sendo novamente a ampla maioria dos beneficiados oriundos de Curitiba, em editais que deveriam ter abrangência estadual.
A SGC-PR falha até mesmo em cumprir com as próprias regras de editais. Por exemplo, aprovando para os mesmos editais mais do que dois projetos, ignorando o teto como determina o certame. Como agravante, demora anos para fechar prestações de contas em projetos contemplados e executados. “Nesse ponto, vale a pena ressaltar que falhas no cumprimento dos prazos de análise de prestações de contas podem ser prejudiciais à observância da previsão em edital, o que pode conduzir ao abandono desse mecanismo caso o rito de prestar e analisar contas não seja institucionalizado e regularizado”. (TCE-PR, 2021, p.59).
Nos premiados localizados na tabela abaixo, com dados do SISPROFICE, observa-se a repetição de CPFs e CNPJs de sócios, superando o número máximo permitido de captação e execução de recursos (previsto nas normas e leis da própria SGC-PR, que autorizou os respectivos projetos nos certames). “No caso do PROFICE, só é permitida a aprovação de um terceiro projeto após a aprovação da prestação de contas de projetos anteriores contemplados. A tabela abaixo demonstra como não há controle para atendimento a essa condição, de forma que ela é violada”. (TCE-PR, 2021, p. 57).
Nas tabelas expostas nesta série de reportagens, reveladas pela auditoria do TCE-PR, constam nomes que também são citados em outras tabelas (de auditorias independentes) com demonstrações de problemas da gestão pública de editais que confirmam as repetições e concentrações dos mesmos premiados.
Para o pesquisador e produtor cultural Gehad Hajar, seria “apanágio, porque a classe artística, não importa que se diga identitariamente alinhada à esquerda, direita ou centro, acha que é direito divino dela receber esse dinheiro de incentivo, que pertence a ela, um direito sobrenatural de receber dinheiro público, mesmo que o bem cultural que ela está disposta a fazer não tenha fruição, não circule”. E continua: “O que justifica uma pessoa a buscar dinheiro sabendo que esse dinheiro é só para sustentá-la ou enriquecê-la? É o apanágio, o privilégio”.
Segundo as observações da auditoria do TCE-PR, teria ocorrido despropósito e descumprimento das legislações que regem a cultura. O relatório cita:
“Lei nº 8.313/1991 [PRONAC], Critério: ESTRATÉGIAS E AÇÕES 1.4 Ampliar e desconcentrar os investimentos em produção, difusão e fruição cultural, visando ao equilíbrio entre as diversas fontes e à redução das disparidades regionais e desigualdades sociais, com prioridade para os perfis populacionais e identitários historicamente desconsiderados em termos de apoio, investimento e interesse comercial. […] 1.4.4 Ampliar e regulamentar as contrapartidas socioculturais, de desconcentração regional, […] 1.6 Aprimorar o mecanismo de incentivo fiscal, de forma a aproveitar seus recursos no sentido da desconcentração regional, sustentabilidade e alinhamento às políticas públicas. [Plano Nacional de Cultura, lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010]. Lei nº 8.313/1991 §8º Para a aprovação dos projetos será observado o princípio da não concentração por segmento e por beneficiário, a ser aferido pelo montante de recursos, pela quantidade de projetos, pela respectiva capacidade executiva e pela disponibilidade do valor absoluto anual de renúncia fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.874, 1999) (Lei nº 8.313/1991). Fonte do Critério: Lei 20.197/2020 [Sistema Estadual de Cultura] Art. 18 No cumprimento desta Lei, compete ao Poder Executivo, por meio da SECC: […] III – fomentar a cultura de forma ampla, (…); (Lei 20.197/2020 que instituiu o Sistema Estadual de Cultura − SEC-PR). (…) Fonte do Critério: Lei nº19.135/2017 [Plano Estadual de Cultura] Art. 2º fomentar a produção e a difusão de conhecimentos, bens e serviços culturais; (Lei nº19.135/2017 – instituiu o Plano Estadual de Cultura)” (TCE-PR auditoria, 2021, p. 194, 195)
Nos argumentos dados pelo Estado (Nota Técnica DTC nº 60/2021, Protocolo: 17.908.645-0), são recusadas pela SGC-PR, sem dados ou análise jurídica, as hipóteses de que ocorreram exclusões de grupos sociais ou indivíduos na aplicação dos recursos da LAB.
Aos amigos tudo, aos inimigos a lei
É comum aos premiados e ao poder público o discurso de que aqueles que não ganharam não saberiam preencher formulários de projetos. “Insistem em ofertar cursos de capacitação para preenchimento de formulário de edital, quando na verdade a estrutura é que está equivocada, e é sim excludente”, afirma Manoel J de Souza Neto. “Culpam os sujeitos, vítimas da pandemia e do lockdown, proibidos de trabalhar, por seus supostos erros individuais, ainda que os achados do TCE-PR, e apurações jornalísticas e da sociedade civil mostrem o contrário. O poder público não conseguiu demonstrar qualquer critério, norma, padrões para a produção de editais, recebimento, análise, certificação, julgamento e pagamento, como revela o TCE-PR. Mas a culpa, segundo o Estado, seria dos próprios prejudicados?”, conclui.
Não existem critérios estabelecidos, claros e públicos para seleção de projetos culturais, como deveria ser no entendimento das leis e das boas práticas da administração pública. Os resultados das premiações também são colocados em dúvida pelo TCE-PR, considerando a ausência comprovada de eficácia nas fases de certificação, controle e fiscalização, que resultou nas falhas que as tabelas extraídas do relatório da auditoria do TCE-PR acima revelam.
Manoel fecha a questão: “aqui fica a pergunta de Pierre Bourdieu sobre o Estado: quem fiscaliza o fiscal? Se o Estado é quem emite a liberação para o artista ser patrocinado, se o TCE-PR mostrou a fragilidade das normas e critérios de processos de seleção de projetos dentro da SGC-PR, se a empresa pública do Estado é a maior patrocinadora (Copel), se os premiados são em sua grande maioria sempre os mesmos e se na Lei Aldir Blanc os mesmos se repetiram nos prêmios, eu citaria o dito popular: algo que está errado, não pode estar certo”.