Guerra da Ucrânia: um novo mundo multipolar está surgindo
O embate entre Otan e a Rússia trará como efeito uma reordenação permanente no jogo das correlações de forças geopolíticas no século XXI
O embate entre Otan e a Rússia trará como efeito uma reordenação permanente no jogo das correlações de forças geopolíticas no século XXI
Em poucas décadas, a justiça penal internacional realizou consideráveis progressos, não deixando teoricamente nenhum chefe de Estado ou dignitário suspeito de crimes em massa fora de seu alcance. Imensa conquista da humanidade, ela permanece bloqueada e sujeita a acusações de parcialidade. Os responsáveis pela guerra na Ucrânia serão julgados?
Encorajada pelos bons resultados nas eleições legislativas de setembro de 2021, uma nova geração de comunistas esperava se tornar a principal força de oposição ao Kremlin. Isso antes da guerra. Agora, a direção encoraja as operações armadas na Ucrânia, ao mesmo tempo que expurga os dissidentes. Fora do Parlamento, militantes de esquerda continuam o combate
As primeiras medidas destinadas à disseminação do patriotismo na Ucrânia aconteceram na década de 1990 e incidiram na área da educação, especificamente no ensino médio
Conforme argumentado no artigo anterior, o programa REpowerEU deve ser compreendido como parte de uma geopolítica do infrapoder energético mundial. Agora devemos compreender como ele se coloca em tal geopolítica e as especificidades da geopolítica russa.
Nosso objetivo, aqui, não é discutir as causas da guerra, nem fazer prognósticos sobre os destinos da mesma, nem mesmo tentar desvendar as estratégias militares em curso dos diferentes blocos (Otan-UE x Rússia e aliados). Mas, todavia, tentar sugerir como a presente guerra faz parte de uma guerra mundial inerente à ordem internacional do século XXI.
Se existe um processo de desglobalização em curso, a atuação dos países centrais desenvolvidos nesse movimento cumpriu papel essencial, seja buscando restringir e isolar polos emergentes, seja revertendo de maneira geral princípios antes defendidos, como a livre circulação de capitais e pessoas e o papel das instituições na governança global
A brutal diminuição das exportações ucranianas de cereais e as sanções impostas a Moscou provocam uma alta de preços dos alimentos nos mercados. Os países importadores procuram novos fornecedores, enquanto cerca de 1,7 bilhão de indivíduos sofrem com a pobreza, a miséria e a fome
Refugiados, alimentação, cuidados médicos… Todas as agências das Nações Unidas foram ativadas diante da guerra na Ucrânia. Entretanto, a instituição falha em sua missão primordial de garantir a paz e a segurança. O secretário-geral António Guterres levou 54 dias para lançar uma iniciativa diplomática. Depois do fiasco na Síria, a ONU vai falhar ainda mais profundamente?
Diferentemente da maioria das nações ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, os países do Sul adotam uma posição prudente diante do conflito armado entre Moscou e Kiev. A atitude das monarquias do Golfo, aliadas de Washington, é emblemática: elas denunciam tanto a invasão da Ucrânia como as sanções contra a Rússia. Assim se impõe um mundo multipolar em que, a despeito das divergências ideológicas, os interesses dos Estados prevalecem
Todas as tentativas de atribuir justiça aos atos de guerra fracassaram na história das relações internacionais
O conflito na Ucrânia acelera uma degradação iniciada na primavera de 2021, por ocasião dos protestos favoráveis ao opositor Alexei Navalny. Com a guerra contra Kiev, a pressão transformou-se em ameaça. Segundo a mídia online Agence, 150 jornalistas teriam deixado o país apenas dez dias após deflagrada a guerra
Cientes de que os ocidentais não vão intervir diretamente em seu território, os dirigentes ucranianos poderiam renunciar a integrar a Otan para pôr fim aos combates. Agora no centro das negociações, o status de país neutro pode parecer precário, mas permite uma maior autonomia de decisão, ao mesmo tempo que favorece a coexistência pacífica
Após um tempo paralisada pelo que chamou, assim como a Rússia, de “operação militar especial” na Ucrânia, a China ressurgiu. Até para agradar a seu “amigo Putin”, o presidente Xi Jinping não pretende abrir mão de sua ambição de modificar a “arquitetura de segurança e governança” do planeta
Já esgotados pela pressão do cronômetro e da audiência, os procedimentos de seleção e de verificação afrouxaram. Imagens e testemunhos próprios para provocar emoção (refugiados, crianças chorando) formam o grosso de uma produção jornalística à qual os envolvidos são chamados a “reagir”
A invasão da Ucrânia por Moscou marca a vitória de uma corrente de pensamento que, desde a queda da União Soviética, defende um confronto militar e civilizacional com o Ocidente. Se a ideologia explica apenas parcialmente uma decisão cujas razões são geopolíticas e militares, a influência crescente desses “falcões” russos contribuiu para desencadear a guerra
Ao anunciar que colocaria seu sistema de dissuasão em alerta, Vladimir Putin forçou o conjunto dos Estados-Maiores a atualizar suas doutrinas, em geral herdadas da Guerra Fria. A certeza de aniquilação mútua não basta para excluir a possibilidade de ataques nucleares táticos, alegadamente limitados – sob o risco de um desenrolar descontrolado
No interior da institucionalidade imperialista, a comunicação, enquanto sistema de legitimação, vem passando por uma transição fundamental em direção a um novo sistema global de cultura, baseado na internet, plataformas digitais e outros meios de comunicação mediada por algoritmos, que servem à regulação do conjunto, ao controle do trabalho, da opinião pública e à vigilância
Paralelamente ao êxodo dos ucranianos, há um movimento considerável e ainda pouco visível dos russos e belarussos saindo de seus países com medo das repressões e da insegurança econômica e política provocada por ações do governo Putin e pelas extensas sanções ocidentais
Conflito e doenças andam dolorosamente juntos em diferentes conflitos espalhados pelo mundo, não só na Ucrânia. Eles são muito menos visíveis do que no cenário europeu, centro mundial do capitalismo, mas não menos importantes
O que mais chama a atenção é a reação desproporcional à invasão russa. Não há dúvida que uma invasão é um fato deplorável e com consequências terríveis para a população. Contudo, vale a pena lembrar que invasões e guerras já foram e são praticadas pelo EUA e seus aliados e em nenhum desses casos a UE ou Washington se dispôs a colocar sua máquina política e econômica para impedir massacre e violações dos direitos humanos de palestinos, por exemplo
O conflito assume inequívocos traços russofóbicos, expressos não apenas nas sanções econômicas e políticas, mas sobretudo naquelas de caráter cultural. Essas retaliações se voltam não apenas contra o Estado, mas também contra a totalidade da população russa
Uma Ucrânia próxima ao Ocidente fornece vantagens incomparáveis aos Estados Unidos e ameaça os interesses dos produtores russos. Já uma Ucrânia dominada pelo Kremlin daria controle total à Rússia sobre a própria rota de gasodutos
Uma guerra nunca foi solução para nada. Causa inúmeros problemas que sequer são dimensionados, e quem paga a conta é o meio ambiente e a população