O esfregão europeu
A vitória do candidato republicano semeou pânico nas chancelarias do Velho Continente, onde se teme que ele cumpra suas promessas: fim das entregas de armas à Ucrânia, encerramento do guarda-chuva de segurança dos Estados Unidos, questionamento das alianças tradicionais, protecionismo agressivo…
Os militares não estão sozinhos
A tentativa de golpe planejada entre 2022-2023 não foi um raio em céu azul; ela vem sendo gestada há décadas.
A crise não refluiu
Mesmo com o desvelamento inequívoco da conspiração antidemocrática, que em tese deveria dar margem para colocar a extrema direita em apuros, quem permanece na defensiva é o governo. As dificuldades de enfrentamento do golpismo e da questão militar não são estranhas ao outro eixo em que o governo patina para tomar rumo: as políticas sociais
A impossível democracia de mercado
A democracia vai mal. A culpa seria das instituições, das redes sociais, do individualismo. Da “radicalidade dos extremos” ou, ainda, da impotência diante da violência econômica, que precisaria ser amenizada. No entanto, o capitalismo só é possível graças à separação entre o econômico e o político, o que o torna fundamentalmente antidemocrático
A luta do igualitarismo por um lugar no futuro
As análises no campo das esquerdas têm se dividido entre duas grandes: a primeira prioriza a correlação de forças negativa; a segunda enfatiza a ausência de um programa econômico antineoliberal. É cômodo dizer que a verdade está em um meio-termo. Contudo, deve-se ir além e recusar a simplificação apriorística de uma oposição entre “fazer concessões” e “radicalizar”
Desenvolvimento ou barbárie
A política, o processo que funda o convívio social, é a chave. No caso brasileiro, uma democracia forte permitirá à sociedade organizada impor recuos às forças retrógradas do neoliberalismo míope e do conservadorismo atrasado
Um mandato poderoso e sem precedentes?
A eleição de Donald Trump, desta vez com vantagem de votos sobre sua adversária, reflete deslocamentos eleitorais significativos das classes populares, dos jovens e dos hispânicos em direção ao Partido Republicano. Apesar de a diferença entre os dois candidatos ser inferior a 2%, os democratas não conseguem se desvencilhar da imagem de partido elitista, urbano e excessivamente diplomado
E Trump teve sua vingança
Donald Trump não retorna à Casa Branca como um homem isolado que chega à cena política sem rumo claro. Oito anos após sua primeira vitória, sua base eleitoral é mais ampla; sua maioria parlamentar, mais sólida. Além disso, ele se cercou de uma equipe de fiéis aliados que não tentarão conter seus impulsos, inclusive os diplomáticos
O Quênia no atoleiro haitiano
Em 20 de novembro, a escalada de violência perpetrada por gangues e forças de segurança obrigou a Médicos Sem Fronteiras (MSF) a suspender suas atividades em Porto Príncipe. Recém-chegada, a Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti, liderada pelo Quênia e apoiada por Washington, será substituída por uma verdadeira operação de manutenção da paz?
O governo dos juízes: mito e realidades
“Profundamente chocante”, reagiu o ex-ministro do Interior francês Gérald Darmanin à inelegibilidade recentemente solicitada contra Marine Le Pen. “Cada um deve permanecer em seu lugar para evitar um ‘governo dos juízes’”, já declarava ele após o Conselho Constitucional ter censurado parcialmente a Lei de Imigração. Essa retórica hostil aos magistrados é recorrente na política. A que ela remete?
Tudo o que nos separa
L’Histoire de Souleymane, de Boris Lojkine, aborda a condição do entregador clandestino. Au boulot! [Ao trabalho!], de Gilles Perret e François Ruffin, coloca uma grande burguesa cheia de certezas frente a frente com as mulheres que mantêm a economia de pé por um salário mínimo (pág. 27). O sucesso desses longas-metragens nas salas de cinema francesas sugere uma nova atenção às realidades do trabalho, sua precariedade e seus perigos (pág. 24). Porém, quando o governo da França exige mais esforços para cobrir os déficits – dificuldades para acessar o seguro-desemprego, sete horas a mais na jornada – e o setor automobilístico europeu fraqueja (pág. 25), o abismo se aprofunda entre duas relações que se estabelecem com o trabalho assalariado: entre aqueles que o evitam (pág. 28) ou questionam sua vocação (pág. 22) e muitos outros, que só podem viver o trabalho como uma injustiça (a seguir)
Um sentido para o trabalho, mas qual?
Levantar-se, tomar um café, entrar apressado em um carro, no metrô ou no trem. Trabalhar, ganhar o dia, voltar para casa, repetir… Por quê? Para quem? E se o desconcerto que o trabalho provoca expressasse, na verdade, uma esperança? A de uma atividade humana emancipadora
Impunidade patronal
A França é o segundo país europeu com o maior número de acidentes de trabalho fatais – números que talvez tenham relação com a indulgência que caracteriza o sistema judiciário quando empregadores estão no banco dos réus
O silêncio das fábricas
Uma fábrica fecha, os operários se manifestam, o Estado declara sua impotência. As lágrimas escorrem e, em breve, a poeira se acumula. “Assim é a vida”, explicam os meios de comunicação, sempre prontos a ocultar a natureza política das escolhas do poder – por exemplo, enfraquecer as organizações dos trabalhadores e destruir os bastiões operários do noroeste italiano
Para além da desigualdade entre homens e mulheres
Em 1957, o Tratado de Roma, documento fundamental da construção da União Europeia, estabeleceu as bases de uma concepção ampliada da igualdade salarial. Embora seja um mecanismo essencial para os salários femininos, esse princípio enfrenta a oposição do patronato. Para os sindicatos, a batalha se trava com calculadora em mãos
A fé dos reconvertidos
Escapar do trabalho assalariado – que exaure, embrutece, entedia – criando a própria atividade? A ideia seduz, especialmente entre profissionais com ensino superior, parte dos quais se reconverte… na “reconversão profissional”. Um mercado promissor, mas frágil
Ameaças ao arroz vietnamita
Sal, elevação do nível do mar, poluição… No Vietnã, o Delta do Rio dos Nove Dragões, por onde o Mekong deságua no Mar da China Meridional, pode desaparecer até 2100. Com ele, um pilar inteiro da economia do país socialista está ameaçado: a rizicultura, da qual também dependem muitos países africanos para abastecimento de cereais a baixo custo
No México, o balanço contraditório de um presidente popular
Em 1º de outubro de 2024, Andrés Manuel López Obrador deixou o poder. O idealizador da “quarta transformação” transformou-se em uma das figuras mais populares da história do México. Algumas de suas políticas, contudo, desapontaram e fazem parte do legado transmitido à nova presidenta, Claudia Sheinbaum, cuja agenda – mudança na continuidade – se mostra delicada
Claudia Sheinbaum, construir uma vitória
A nova presidenta do México não deve sua eleição apenas à popularidade histórica de seu antecessor. Seu sucesso também se explica pelo longo trabalho de proximidade realizado pela esquerda na Cidade do México, junto ou dentro de associações da sociedade civil
Evangélicos na França, crônica de uma ascensão política
Por muito tempo marginal, o evangelismo está hoje bem mais presente na França. Alimentado por várias lideranças, notadamente a dos missionários anglo-saxões, mas também a de fiéis originários da África Subsaariana, esse ramo do protestantismo está se estruturando pouco a pouco. Vários de seus membros desejam agora influenciar o debate nacional por meio da defesa de ideias conservadoras
Miscelânea
Confira as resenhas dos livros A finitude das coisas, de Nélio Silzantov, Pedagogia de Massas do Neoconservadorismo, de José Eustáquio, e Todo mundo tem mãe, Catarina, de Carla Guerson